Dia do Cacau Amém


O cacau produzido no sul da Bahia é o melhor do mundo, super saudável, garante uma cadeia produtiva democratizada, e ainda por cima, protege estrategicamente uma das maiores biodiversidades do planeta. E daí? Quem se importa com isso?   

O Cacau é um personagem rico quando falamos dos efeitos da globalização. Veja que trata-se de uma cultura milenar transformada em cultura de massa - marketing industrial; mesmo assim, guarda forte relações com a criatividade artesanal. É símbolo da riqueza nacional, mas os produtores locais não conseguem se manter com os preços praticados, resultado da oferta na África e Azia. Nós, que já oferecemos cacau pro mundo (hoje produzimos 5% da demanda mundial), e nunca ganhamos retorno com o marketing do chocolate, ainda amargamos ter que importar o produto. Assim, a população pobre nem pode comer chocolate e fica a ver navios.

Olha, o cacau é protagonista de uma rede mundial de injustiças e contradições entre produção, mercado e consumo, gente e natureza. No sul da Bahia, por exemplo, já foi produzido em um sistema coronelista que não favorecia as classes trabalhadoras, e esse Karma (Ação) seguiu adiante em trabalho escravo, tráfico de gente e mão de obra infantil em vários países, mas o mercado global mão enxerga isso; ele é cego, é Commodity. 

Do ponto de vista ecológico, o cacau tem uma história também, muito estranha. Originário dos sub-bosques africanos, encontrou em Ilhéus um ambiente perfeito, e se desenvolveu como se fosse daqui, durante mais de 100 anos, até que criaram a CEPLAC, que debilitou a agrofloresta com BHC na psicose mal tratada da produtividade, preâmbulo ecossistêmico da Vassoura-de-bruxa. O fungo, também nativo da Amazônia chegou e contaminou as 700 mil hectares de lavouras da região. Dizimou sonhos.

Mas a gente daqui resistiu, e ainda resiste, pois o cacau está em nossa história, e isso não é pouco pra nós. O cacau é parte da identidade de Ilhéus, e isso não é pouco para nós. Não existe futuro feliz de Ilhéus, ou do sul da Bahia sem o cacau. Um não vive bem sem o outro. Sem esse casamento é degradação socioambiental na certa. 

Da mesma forma, o cacau daqui, e o seu sistema de agroflorestas, onde se conserva milhões de árvores nativas, não sobreviverá se o cacau que ajuda a conservar a biodiversidade não for um valor reconhecido pelo mercado. O mercado tem de ter juízo, tem de ter gente boa plantando, comprando e comendo chocolate. 

No sul da Bahia continuamos caminhando, a reforma agrária aconteceu de fato, não temos mais coronéis  Temos muitos assentamentos, e a oportunidade de terra para plantar cacau vem sendo democratizada. Mas com o preço lá embaixo, trabalhador rural e dono de fazenda de cacau investindo, sonhando,  virou produto raro,  e por isso estamos importando novos "apaixonados pelo cacau", que tomam para si a missão dos antigos cacaicultores já sofrendo de depressão crônica.  

O fato é que seguimos em frente, pois o cacau sempre é e sempre será fundamental para essa região, e vai dar a volta por cima, e ainda será o salvador de nossa economia, verdadeiramente solidária. Seguimos  de olho na vitrine dos novos valores, esperando que o mercado acerte o gosto de seus consumidores com a responsabilidade socioambiental. Cacau orgânico, fino, em novos sabores, encontrará sempre novos mercados, e sem sombra de dúvidas, conquistará o mundo todo. Hoje, o consumo cresce 2 a 3% ao ano. 

Resta saber se o mercado, que é feito por pessoas que compram, vendem e comem chocolate querem enxergar a biodiversidade e o trabalho justo ou se deseja continuar cego, sentindo mais e mais prazer, apenas na qualidade da barra de chocolate.

Leia Mais, e sinta na própria pele, principalmente se você for um produtor de cacau do sul da Bahia, que no dia do dourado, a imprensa gosta mesmo de lembrar é de seu glamour, símbolo da Pascoa Cristã. Qual produtor diria Amém? Não se espante nas leituras, quando ver, além de tudo, ainda tem gente que não coloca Ilhéus na história do chocolate, mas não se esquece de Gramado, nem de Paris. Isso é de amargar!

Portal São Francisco: 26 de março
Terra (Blog da Eliana): Dia do Cacau
IFolha: Dia do Cacau
Mundi Blog: Hoje é Dia do Cacau
Portal Paulinas: Dia do Cacau
O Sarrafo: Dia do Cacau: O que comemorar? (Blog Regional)

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