sexta-feira, agosto 25, 2017

Onze crimes ambientais da história recente de Ilhéus

No passado recente, as cidades litorâneas do Brasil sofreram grave processo de degradação ambiental. Refletir as causas e consequências dos erros cometidos, ao menos nos abre novas perspectivas. Destaco o que poderíamos chamar de onze grandes crimes ambientais que cometemos nas últimas décadas, deixando de fora os problemas sociais e a depredação do patrimônio histórico. Claro, ressaltando que o maior de todos os crimes ambientais daqui é o mesmo de muitos lugares do Brasil: A falta de saneamento básico. Também entendo que muitos justifiquem a desordem urbana com a crise do cacau, hoje melhor compreendida como uma crise econômica, ambiental, cultural, política, ou uma série de crises interligadas.

1 - A nova Cabruca e o BHC

 A ocupação quase total das matas e o novo modelo de cabruca sem plano de conservação, e regado a BHC provocou um grande desastre ecológico com graves consequências para a saude humana. Enquanto o Centro de Pesquisas de Cacau revelava uma biodiversidade recorde no planeta, a mesma instituição (CEPLAC) adotava um sistema intensivo, super-produtivo, químico e sem considerar as espécies nativas não interessantes a lavoura, além da extensiva substituição do dossel florestal por árvores exóticas. O uso em larga escala e o contato direto com o BHC foi absurdo. Apesar de perigoso, era tão comum que eu mesmo me lembro do cheiro, imagine os trabalhadores das roças que ficavam cobertos pelo pó. Só me dei conta do BHC, através do escândalo do BHC deixado em um terreno em bairro pobre da Baixada Fluminense. Sobre o assunto não se falou quase nada, mas eu colhi depoimentos de antigos funcionários da CEPLAC de muitos trabalhadores que vieram a óbito com problemas pulmonares e doenças relacionadas com a contaminação provocada por esse perigoso defensivo agrícola (Relembre BHC).  

2 - O engano do Porto Internacional do Malhado


 Ilhéus era linda, rica, tinha porto e ferrovia. Estava tudo indo bem até que chegasse a megalomania do governo Médici com o Porto do Malhado. O objetivo era idêntico ao projeto do Porto Sul: Escoar as riquezas do oeste de olho no futuro. Era um projeto grande e milagroso, mas parou no meio, e o que fez mesmo foi destruir a cidade histórica construída com o próprio dinheiro do cacau no século anterior. Se o porto era ou não necessário é outra questão, mas ele é uma prova de um planejamento inadequado, um equívoco e o marco da destruição das qualidades urbanas de Ilhéus, além de criar problemas de mobilidade de quebrar a cabeça.   

3 - Ocupação pelos condomínios de luxo no litoral sul

  Nos tínhamos uma orla continuada de norte a sul, mas um precedente de ocupação chama a atenção em nossa história recente. Trata-se da ocupação dos cinco primeiros quilômetros no litoral sul, alvo de condomínios de luxo, que inauguraram o fechamento das praias e acesso às belezas naturais de Ilhéus. Ficou de fora espaço para circulação, estruturas de lazer e estacionamentos coletivos. e a orla perdeu um pouco de seu charme e potencial para a especulação elitista. A privatização de alguns acessos à praia ainda é um problema persistente no litoral sul da cidade.

4 - O fracasso do Joia do Atlântico no litoral norte

 O primeiro grande condomínio no litoral norte de Ilhéus é um exemplo de tudo o que não se pode permitir na ocupação de uma bela enseada, e das consequências da falta de fiscalização do cumprimento dos planos diretores dos condomínios residenciais. O famoso Joia do Atlântico descumpriu todas as regras de urbanização, e se tornou alvo de todo tipo de crime ambiental: Retirada de areia, desmatamento, invasão de áreas de proteção e da própria praia, etc. Por fim, invadiram as margens do pequeno riacho que formam a Barra do Joia, a atração do lugar e a segunda mais bela da região, depois do Cururupe.    

5 - A desgraça do Cururupe

 A pequena baia do Cururupe é repetidamente destacada na literatura dos viajantes e história do Brasil. Ela foi a praia da moda durante a década de 70, mas durante os anos 80 caiu em desgraça. Primeiro instalou-se um lixão na área de entorno e formação do pequeno riacho que nasci próximo do local. A cidade virou as costas para seu cartão postal. Depois, o lixão foi retirado mas não se falou em planos de recuperação, nem análises da qualidade das águas que nos fizessem acreditar na descontaminação. Com o tempo apareceram construções absurdas, incluindo um motel na margem do rio, e mais recentemente, uma onda de invasões completou o caos, que melhor que falar é ir lá ver. E assim, o mais importante memorial natural indígena de Ilhéus, símbolo de nossa história e geografia se tornou símbolo de nossa crise.

A beleza do Cururupe mal aproveitada. Foto: Do Fundo do Baú de José Leite

6 - O aterro de 30% dos manguezais

 Por mais que Ilhéus tenha um relevo que dificulta o planejamento urbano, não se tem dúvida que o aterro de manguezais em Ilhéus foi um erro gravíssimo. Construímos os dois maiores bairros da cidade em cima do mangue, e aterramos mais de 30% de sua extensão em apenas duas décadas. Até hoje os manguezais de Ilhéus continuam sendo aterrados, um crime incomum na maioria das cidades, que já reconhecem sua importância como unidades perpetuas de conservação por muitos motivos, que após três décadas de Educação Ambiental, não podem ser ignorados. 

7 - A construção do Edifício São Jorge dos Ilhéus

  A ideia de que a verticalização abrupta é um sinal de progresso resultou em uma prédio altíssimo e sem nenhuma proposta arquitetônica atraente construído em pleno centro histórico, enfadando nosso mais importante equipamento turístico, a Catedral de São Sebastião de Ilhéus. Primeiro foi o Ilhéus Praia Hotel com cinco andares, e depois esse prédio enorme, encostado (colado) no pequeno prédio vizinho, a tentar alcançar o céu impunemente. Depois mudaram a lei para evitar outros do tipo, mas e agora José?  


8 - Rio Cachoeira: O abandono da causa

  Assistir passivo a morte de um dos mais importantes rios do litoral brasileiro é crime de omissão. O Cachoeira, assim chamado pelo seu fluxo intenso de água, muito bem historiado pelos Maximilianos, os príncipes da Áustria e da Alemanha no século XIX, chegou ao pior estágio de degradação em que se pode alcançar a degradação de um curso hídrico. A razão principal foi a ocupação irracional de pastagens ao curso dos rios Colônia e o rio Salgado. Mesmo assim, a luta pelo rio Cachoeira se resumiu ao nome de Maria Luzia (UESC), e não sensibiliza até hoje. Não tem como enxergar um futuro digno para essa região com um rio nesse estado. É preciso repactuar sua conservação, as matas de suas margens, livrá-lo dos esgotos e do lixo, parar a retirada de vegetação dos riachinhos dentro das fazendas de cacau. Sua revitalização é uma esperança da Agenda do Século XXI, e essa vitória será a nosso sinal de que o desenvolvimento finalmente chegou, e de que o nosso povo recuperou as condições mínimas de qualidade de vida. 

Milhões de litros de água de vão em poucos dias, e o rio morre de novo.

09 - Invasão na estrada Ecológica Ilhéus - Itacaré

  No projeto acertado com o estado, era para ser uma estrada ecológica atravessando o litoral norte de Ilhéus, Uruçuca até Itacaré. Só que, enquanto os dois municípios adotaram a ideia, Ilhéus não teve condições de zelar a proposta. Apesar das denuncias e processos acabou-se permitindo a invasão do início da estrada na região do São Domingos. No início eram menos de cem residencias, e hoje temos um corredor de casas sem passeio com as crianças brincando na beira da rodovia. Poderia ter sido diferente, e talvez, ainda venha a ser.


Fotos de dez anos atrás na ocupação da estrada ecológica.

10 - Tororomba sem água

 É preciso destacar o ataque as florestas protetoras da nossa mais famosa fonte de água medicinal. As águas da Tororomba, alegria da infância dos ilheenses e um grande atrativo do município tem perdido suas águas ano após ano. É muito triste ver um balneário natural subestimado, e enxergar no Google que estamos mexendo naquela área. Tem uma ferida aberta naquela região e a supressão de mata nativa pode ser a causa. Destruir essas nascentes e curso de água é uma incoerência.   

11 - Caramujo africano

 Pouca informação e divulgação se tem sobre como aconteceu a infestação de caramujos africanos em Ilhéus. O assunto é preocupante, e o bicho está dominando a cidade. Sobre o seu combate temos aprendido mais com o vizinho do que nos ensina a vigilância sanitária e epidemiológica. Enquanto isso rondam sobre ele, hipóteses de doenças assombrosas como a Meningite. Não sabemos qual o risco que estamos correndo, e qual será a encaminhamento desse crise ecológica, manifesta nessa incômoda e realmente galopante enfestação.  

Caramujo: Até no Morro de Pernambuco.

quinta-feira, agosto 24, 2017

Orquídeas do sul da Bahia

  

   
   Em 1998, uma reportagem no Jornal A Tarde destacava a raridade e o comercio ilegal de orquídeas do sul da Bahia. Na época respondendo pela Chefia do IBAMA na região, atendemos denuncia e realizamos a maior apreensão de orquídeas de nossa história ambiental. Eram mais de 500 orquídeas, e 90%, a belíssima  Cattleya warneri. Entreguei o material pessoalmente ao saudoso botânico André Carvalho (CEPLAC), que dispensa apresentações. Mas havia um decreto estabelecendo que todas as orquídeas aprendidas no Brasil eram prioritárias para o orquidário de Brasília, e eu discordando dessa política, acabei desacatando ordem expressa da presidência do IBAMA, abrindo uma brecha para minha exoneração, depois de segurar as dores da turbulenta transição da política florestal no Estado do Bahia. Passados quase vinte anos, a imprensa noticia a depredação e o fim do Orquidário Nacional de Brasília. Nossas orquídeas? Ainda quero seu retorno às matas, cultivo e manejo sustentável. Na época eu poderia ter ido a Brasília para esclarecer os fatos, mas estava satisfeito pois tinha cumprido minha missão. Mais detalhes da história ambiental do sul da Bahia estou escrevendo em um livro maior sobre a política florestal, mas esse desabafo não pode esperar.


sábado, agosto 05, 2017

O Brilho da Biodiversidade nas Fazendas do sul da Bahia

 Os poucos remanescentes de mata íntegra no sul da Bahia são potes de ouro do conhecimento científico, cultural e da história da biodiversidade, além de ser um baú de novidades e inovação. Estudando os animais e plantas do mundo logo reconhecemos as fazendas dessa região, e suas excentricidades. Algumas logo se destacam com valiosas informações e grandes listagens de espécies, e plantas unicamente conhecidas dessas propriedades. 
  A Fazenda Almada (Uruçuca) tem pelo menos 602 registros de espécies, e alguns deles remontam a viagem de Carl Friedrich Philipp von Martius há 200 anos. Em Una, a Fazenda São Rafael elenca, ao menos, 247 espécies de 156 gêneros e 74 famílias registradas em 18 coleções botânicas. Doze destas já foram incluídas na lista vermelha de espécies ameaçadas do Brasil, incluindo dois tipos de Ingá (Ingá aptera e Ingá grazielae). 
   Já na Fazenda Pirataquissé (Banco da Vitória, em Ilhéus) teve uma base da Fundação Oswaldo Cruz para o estudo da Febre Amarela e e citada em publicações internacionais. Na Matinha, ainda  conservada, repousa segredos da história da família das pimentas, que tem centenas de registros no município, e uma delas homenageia Ilhéus, a Pipper ilheusense, que possui propriedades medicinais. A Matinha também está intimamente relacionada a pesquisas históricas do Museu Nacional, especialmente relacionadas ao acervo da fauna e flora recolhidos na década de 40, por memoráveis cientistas, e é citada em importantes estudos sobre vírus em macacos, incluindo um vírus (e doença) conhecido como Ilheus Encephalitis. Por essa e outras pesquisas a fazenda é citada internacionalmente na historia do famoso Callithrix kuhlii. 

O estudo do Callithrix Kuhlii e o vírus da febre amarela têm a Fazenda Piarataquisse, em Ilhéus, como referencia histórica.
Pirataquisse (Fazenda), 14°50′S, 39°05′W. Serviço de Estudos e Pesquisa sobre a Febre Amarela (SEPSFA). Attributed to C. jacchus penicillata (C. j. penicillata × C. j. geoffroyi) by Hershkovitz (1977, p.938, locality 299). Also cited by Kinzey (1982; locality 18). Vivo (1991) lists one skull and one skin in the USNM, and 25 skins, 21 skulls in the MNRJ. Cited by Mendes (1997; locality K4) and attributed to C. kuhlii. Attributed to C. j. penicillata by Ávila-Pires (1969). Vaz (2005) lists a number of localities under the general heading of “Pirataquissé, municipality of Ilhéus. District of Banco da Vitória (14°48′S, 39°07′W).

   Esse grande acervo do conhecimento se soma aos demais valores de nossas fazendas, e leva seus nomes como referencias obrigatórias em centenas de publicações científicas por todo o mundo. Apesar da notoriedade, historicamente, tem faltado posicionamento e incentivo dos governos para a proteção desse herbário vivo, considerado pela unanimidade dos botânicos, em declínio, e marcada por plantas e animais endêmicos e ameaçados, a maioria pouco conhecidos, ou completamente desconhecidos.
  Restando apenas 2,8% de matas íntegras remanescentes na região cacaueira buscamos, em 1998, uma aliança entre o IBAMA e a CEPLAC para essa obrigatória missão constitucional. Dez anos depois, em matéria no Jornal Agora com apoio de Ronaldo Santana, fazendeiro que aderiu a causa das reservas de forma pioneira com a criação da RPPN Mãe da Mata, abordei a ideia do governo federal criar um mecanismo de reversão de dívidas em reservas particulares.
  Numa região onde 98% das matas estão nas fazendas de cacau, apenas o modelo público dos Parques não garante a proteção da biodiversidade, e apesar de esse ser um item fundamental que as prefeituras precisam aderir em todos os seus empreendimentos, o sucesso da proteção depende de forma inevitável da agregação de milhares de pedaços de matas perpetuas, porém particulares, maiores ou menores, mas em toda escala, interligadas. É um projeto que depende de ampla participação social, e só alcançará sucesso se todos juntos, criarmos um mosaico de "espaços da mata" com seus nomes, identidades, histórias e peculiaridades, sendo bem cuidados, para assim garantirmos o corredor ecológico por onde a vida aconteça, os animais transitem e a polinização e dispersão sejam bem sucedidas, enfim, a evolução milenar não seja interrompida, ao menos, até onde saibamos e sejamos capazes de evitar.
   Uma vez valorizadas, os benefícios dessa riqueza poderão vir a ser compartilhados por todos, e o caminho é a sensibilidade, que uma vez conquistada, resulte na prática da multiplicação das reservas íntegras, ao lado das fábricas de chocolate, cultivos de cacau e grande variedade de frutos e flores tropicais, dentre tantos outros produtos da floresta. História, ciência, cultura, inovação e tecnologia brilha através da biodiversidade ainda presente nas fazendas de cacau do sul da Bahia. Este é um valor indissociável da identidade e do desenvolvimento dessa região.  

A Piper ilheusense é uma planta da família das pimentas comum por aqui, e que carrega o nome de Ilhéus na origem de sua descoberta. A planta possui propriedades medicinais em estudo.