sexta-feira, dezembro 31, 2010

Feliz 2011

É muito bom desejar um mundo melhor, melhor ainda é fazer o que for preciso para que isto aconteça. Como é bom sonhar esse mundo e viver essa vida, mais arejada, mais amorosa, mais iluminada, e o caminho é o tempo trazendo uma nova orbitância de consciência ! Como é bom desejar, recordar, planejar, que o planeta milagroso seja palco de muitas amizades numa evolutiva regeneração diante de sua própria imagem.
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Dentro desse espírito da verdade nascem e morrem os anos em números. Esses números escondem a história inegável da irmandade universal, tão pura quanto o amor eterno, e tão eterna quanto ele.

Vivemos no sul da Bahia observando os rumos que queremos perseguir no Brasil do século XXI, o século dos grandes desafios naturais e espirituais, o século da globalização e de todos os reencontros de passados e presentes. É o mundo globalizado, regido pelo dinheiro, pela produção, pela dominação tecnológica, e vamos nós, brasileiros, indianos, chineses, africanos, entrando nesse mundo inevitável, e sabemos que temos que passar por isto. Mas, tenham certeza, se quisermos ser felizes, não adianta ficarmos ricos se não conservarmos a nossa riqueza interior.

Esperamos em 2011 mais um passo, de cágado que seja, mas na direção certa, no rumo da educação do homem. Não basta ter apenas bens materiais, sem que agente reconheça que nossos maiores desafios são imateriais, internos e espirituais. Não basta ter o carro, é preciso construir o motorista, não basta apenas viver, é preciso ser feliz.

E acordar para a vida implica em viver de verdade, fazendo o que temos que fazer, obedecendo Papai. Por isso, no ano 11 do segundo milênio Dele, vamos caminhar, nadar, voar na direção da construção do homem, que atravessa o mar de sua própria história e começa a se reconhecer. Cada um se vendo, se lembrando o que somos, entendendo que a humanidade inteira é a vida de cada um de nós, todos os desafios estão aos nossos pés.

Esperamos um 2011 cheio de memórias de 2010, de 2000, de 1960, 50, 30, do ano 1000 depois de Cristo, e 2000 antes. Um 2011 de memórias para o futuro, de água pura, sol e mar de esperança na humanidade, nas árvores e nas baleias. Um 2011 que nos estampe a compreensão de que a maior riqueza que tem na terra sou eu e você, é o ser humano, e é justamente nos todos juntos que nos trará a capacidade de vencer a pobreza espiritual que nos afeta, e que na natureza, em nenhuma outra parte, não há.

Estamos na matéria, aparelho, corpo, mas a vida, ela nos dá muito mais, o nosso amor nos dá muito mais. Somos terra e céu em território sagrado, palavra, promessa, somos espirituais, vivemos de amores somados que só se completam com os que partiram, e os tantos outros que ainda vão chegar, mas já são percebidos em nossa sensibilidade. Somos imateriais em grande maior parte, em grande maior verdade, o grande campo do conhecimento é dentro. Este é o território de exploração, de navegação, estrada da viagem e porto da chegada, é a maior riqueza que existe, e que a mente humana tem a missão de refletir para que todos possam ver verdadeiramente o criador e a eternidade.

Vamos para 2011 com esse jovem Brasil cheio de amor e sangue, e com essa jovem humanidade que luta contra o materialismo, contra as paredes, os muros, os sustos, os males, as descrenças e as causas de todo mal encarnado na dolorosa pele humana.

E nessa pele, aprendendo a ser coletivo, se apaixonando pela educação permanente, fluindo com a juventude, com o santo suor de tantos homens de bem, luminárias vivas, estudiosos de si mesmo, do ser humano e da vida; tantos iliminadores de mim, labutadores da paz, tanta gente boa, tantos espelhos da verdade, boas notícias da alegria, bons acontecimentos, palavras que foram ditas, escritas na alma, presentes que recebemos para sempre, amor que salva um e que pode salvar a todos.

Só nos resta mergulhar nesse tesouro de ouro. Tantos nomes, tanta gente, tanta dança, tanto canto, tantas cores, tantas palavras, que bom se acordar para conhecer. Precisamos do conhecimento, não somos nada sem os nossos irmãos, os nossos parceiros. Precisamos relembrar as lembranças, exercitar o nosso esquecimento com a memória, enxergar um futuro único para todos, cheio de amor pelo ser humano e com mais coragem de imitar o Cristo.

Certo que nunca morremos quando nascemos uma segunda vez ainda aqui nessa vida, quando nos acordamos para entender a humanidade e seus valores, termino esse breve artigo com a saudade dos que se foram em 2010, não me referindo aos que estão próximos, como minha prima Maria das Graças Dórea, minha Gracinha, falecida em 2010, porque em breves linhas de minha escrita torta vocês não entenderiam a minha dor, mas faço uma lista pessoal, de pessoas que estão de alguma forma na minha vida e também de outras milhares de pessoas, através da meios tecnológicos de comunicação humana.

Andy Irons - No dia 02 de novembro, aos 32 anos. Tricampeão mundial de Surf, morto pela dengue.

Tão jovem para morrer, e tanta beleza esse jovem nos mostrou na simplicidade de levar a vida "como uma onda no mar"... Nós precisamos de jovens assim, que surfem a vida como uma onda boa, e esperamos também que sua morte nos ajude a evitar a proliferação da dengue, que fêz tantas vítmas aqui no sul da Bahia.



Buza Ferraz - No dia 03 de de abril, aos 59 anos, no Hospital Samaritano no Rio de Janeiro.

Nosso querido amigo Buza de tantas novelas, também foi um homem de alta espiritualidade, e eu o conheci como um pioneiro do Santo Daime na Igreja Daimista de Mauá, no Rio de Janeiro. Três anos atrás encontrei com ele no aeroporto de Ilhéus, onde conversamos e relembramos coisas. Não podia imaginar me despedir desse grande sorriso e brilhante simpatia em 2010.

Lupe Gigliotte, aos 84 anos, no dia 19 de Dezembro.

Ela morava em um prédio da Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, bem próximo do meu apartamento. Para uma pessoa famosa, me espantava que ela mantivesse as portas abertas para os jovens amantes do teatro amador. Foi assim que fui parar no seu apartamento acompanhando colegas de faculdade mais interessados em teatro do que eu. Que mais posso falar de uma pessoa tão simples assim, que logo me ensinou que ser famoso é uma coisa, amar o teatro é outra. E pode existir alguém com uma face mais doce e mais humana?


Farrah Fawcett, no dia 25 de junho, aos 62 anos, em Santa Mônica, na California.

Não dá pra esquecer. Ela era mais que um símbolo sexual expresso na vitalidade, era um símbolo da beleza desejada. Nossa primeira loira, a loira das loiras de meu tempo, Farrah é daquelas luas que estão dentro de nossa alma, raiando luz, uma princesa das telas e da boa imaginação.


Paulo Moura, aos 77 anos, na noite de 12 de Julho.

Quem tem um pouco de conhecimento sobre a música brasileira e universal tem intimidade com um nome enorme da música chamado Paulo Moura. O grande musico do saxofone, dos arranjos e orquestras era o homem do povo, do coração do povo, do pé de valsa do povo, e fez parte da vida cotidiana de milhares de jovens em suas Domingueiras no Circo Voador. É a arte do lado do povo, com ingresso barato, é a simpatia do artista verdadeiro, tanto glamuroso em seu som, quanto simples em seu brilho.



Johnny Alf , aos 88 anos, partiu no dia 04 de março.

Quando descobri que a música era algo muito sério, descobri que existia esse compositor, essa perfeição de simplicidade rebuscada que invade a alma e lá fica iluminando agente por toda uma vida. Ele foi pré e pós bossa nova, e será sempre tão novo quanto eu, você e a brisa...



Glauco aos 55 anos e seu filho Raoni, aos 25 anos, no dia 12 de março em sua chácara em Teresópolis.

O Glauco foi um dos maiores cartunistas do Brasil. Também foi mais um famoso a optar pelo caminho do Santo Daime, seguindo pelo desapego material, pelo viver a vida como uma dádiva, uma Nova Jerusalém no presente, entrando em seus palácios de Cristal, passeando no jardim de belas flores e fazendo caridade sem receber nada em troca. Eu o conhecia de vista, pois ele participava do Santo Daime em São Paulo e eu, no Rio, mas para nós, que entramos em uma escola de aperfeiçoamento espiritual e lá encontramos um lugar no coração do Cristo, realmente nos sentimos irmãos. Lamento demais a passagem inesperada de Glauco e de seu jovem filho Raoni, muito surpreso que esses guerreiros da paz tenham sido vítimas da violência do homem. Mas Deus sabe o que faz, nós não sabemos de nada.

Pena Branca, nome artístico de José Ramiro Sobrinho, aos 70 anos em 09 de fevereiro.

O cantor do interior, da música de raíz, um grande artista que entrou por todas as moradias dessa Brasil imenso para ficar colado nas paredes de um sentimento de ser simples, ser gente, ser humilde, amigo do vizinho, brasileiro, um sentimento nacional que jamais pode se perder, por mais ricos que todos nós possamos vir a ser, é isso aí que vale mais que o ouro.



José Saramago, no dia 18 de junho, aos 87 anos em sua casa em Lanzarote.

Nobel de Literatura e de simplicidade humana, o que seria de nós sem esses grandes escritores e poetas que nos disseram tanto de nossas vidas, do que vale a pena, e do que não vai dar em nada, nunca. Palavras certeiras que nos dizem muito: "Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar".




Saul Barbosa - Aos 58 anos na madrugada do dia 15 de setembro.

Saul foi um grande músico nascido em Ilhéus, um amigo dos amigos da música, um cara que ficou na minha vida com suas músicas, algumas que considero entre as mais belas que já ouvi, como São Jorge dos Ilhéus. Foi professor e amante da música, e ajudou a música baiana a ter mais charme e mais melodia. Valeu Barbosa !


Michael Jackson, em 25 de junho, aos 50 anos, em sua casa em Los Angeles.

O cara era bom no que veio ao mundo fazer, e fêz. Revi o trabalho de muitos artistas pelas facilidades e possibilidades que a internet nos oferece. Vi muita coisa de Mike Jackson que eu não conhecia graças a internet, esse cara sem fronteiras, também brasileiro e baiano da gema. Não me canço de rever suas técnicas extraordinárias de dançar e a imensa alegria que dele transborda ao gravar no Morro Santa Marta e no Pelorinho.




Por causa do dinheiro, não é mais possível ver, e incorporar vários vídeos de Michael Jackson que assisti durate 2010 no Youtube. A Sony e outros reclamam direitos. Talvez o pai de Michael tenha razão quando diz "o Michael foi morto por todos". Nos links a seguir ainda é possível ver dois momentos extraordinários desse grande artista universal.

Nesse primeiro link, Michael Jackson em They Don´t care about us, gravado no morro Santa Marta e Pelourinho, veja logo se voce não tem dinheiro para comprar, pois o dragão vôa rápido.
http://www.youtube.com/watch?v=mwQFGZ0bFbs

E neste outro link um momento extraordinário de dança em Dangerous Dance Break Live, que demonstra muito bem, o perfeccionismo desse artista para apresentar ao mundo o melhor da dança. Voce não deve e nem pode perder isto.

http://www.youtube.com/watch?v=aXK5xOJaYHI

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Aldeia planetária


Por Suzel Saraceni, empreendedora socio-cultural

Culturas, Tradições, Costumes lá se vão muitas historias, contos, mitos, e muitos muitos sonhos .....

Conversando com um amigo que ainda não conheço estranho!!!,mas não são coisas da Internet não mas do telefone, filosofamos, conversamos justamente sobre como nós , como tratamos das nossas raízes , dos ancestrais e por aí vai....Refletindo comecei a perceber que para que possamos continuar a nossa vocação para evolução, para uma vida mais consciente e humana, é necessário sabermos de onde viemos, quem foram os nossos ascendente, a historia que foi construída por todos que nos antecederam, primeiro para valorizarmos respeitarmos a trajetória que cada um construiu,nas contribuições nos trabalhos que foram desenvolvidos e que trouxeram grandes avanços na época em questão.

Mas também podemos aprender com o que deu errado, ou seja, os equívocos cometidos inadvertidamente, ou por pura ignorância mesmo. Somos todos cidadãos planetários queiramos ou não, sabem por quê? Façamos um pequeno teste:

Pegue os dois dedos, o polegar e o indicador, tampe as narinas por MEIO MINUTO!!! UAU!!!Continua vivo? Pois é como sobrevivemos sem o ar da atmosfera o OXIGENIO, impossível não é mesmo? Bem diria que todos nós e a natureza temos a mesma NATUREZA!!!
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Dependemos do nosso lindo planeta, dos recursos que a nossa amada GAIA nos oferta com generosidade e abundancia. Portanto a diversidade humana de cores raças culturas faz parte da trajetória civilizatória, tal como os nossos companheiros evolutivos:
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Os animais, vegetais, minerais e demais espécimes que fazem parte da aldeia global, somos viventes ou sobreviventes das civilizações que nos antecederam. Agora, no século XX já no limiar do século XXI qual é a historia que nós contaríamos? Tivemos grandes avanços tecnológicos ( maravilhas , internet, vôos planetários e inter planetários,celular ...)

E a nossa qualidade de vida? Somos mais equilibrados, pacíficos, cooperativos?

Bem fazendo uma avaliação generalizada, o que consigo observar é que somos um bando de gente desconfiada, solitária com medo, com pânico da violência que queiramos ou não fomos nós que produzimos ou pelo menos lavamos a mão como PILATOS,aí vai uma critica ao sistema político social e econômico que traz caos desigualdades e miséria , e vamos vivendo com as comodidades e conforto produzidos pelas tecnologias, entretanto sem sabermos de fato usufruirmos desses avanços civilizatórios, acredito que em parte é porque perdemos a capacidade de nos maravilharmos de sentirmos a beleza dos momentos : de um encontro, um abraço amoroso amigo, de um bate papo informal , de falarmos de banalidades ou até mesmo de confidenciarmos ao pé do ouvido as nossas angustias, dores para aquele amigo(a) querido que está sempre disponível, e de nos apaixonarmos de verdade sem medo de ser BREGA ou estar pagando MICOm

E os passeios? Somente vale a pena, os lugares da moda do auê ,do agito da abalada ; bem nada contra esse tipo de programa,de entretenimento,entretanto.... um..dia no campo na natureza, ouvindo os pássaros, curtindo uma cachoeira, mergulhar na onda do mar e ficar de bobeira de preguiça.sentindo a brisa tocar acariciar o nosso corpo...

Voltando ao papo com o meu amigo, filosofando , será que estamos desaprendendo para depois aprendermos novamente a sermos simples e naturais?

Um sorriso, a amizade, o tempo das conversas, com vizinhos as historias contadas , cantadas que os nossos pais avos cultivavam são memórias saudáveis que não deveríamos deletar das nossas mentes e corações, pois esses costumes são importantes na preservação da nossa humanidade,da sociedade da comunidade, se perdermos essa convivência amigável e confiável,na vida no outro , provavelmente nos tornaremos NORMOTICOS E ROBOTICOS

ACHÈ!!!

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Estratégias de Desenvolvimento para o Sul da Bahia




Prezados (as) colegas e amigos (as),

Convido-os (as) para participar do Seminário sobre o Desenvolvimento Regional no Sul da Bahia, envolvendo a academia, sociedade civil, setor privado, setor público e a mídia formal e informal.

Para o debate, contaremos com especialistas em desenvolvimento na economia, geografia, sociologia, planejamento regional e em atividades econômicas como pesca, turismo, cacau & chocolate, eletro-eletrônicos e ciência, tecnologia e inovação. Ao longo do dia 10 de dezembro, discutiremos como estas atividades caminharam nos últimos vinte anos, e quais as perspectivas para as próximas décadas.

O propósito do seminário é discutir uma trajetória de desenvolvimento para o Sul da Bahia que leve em conta os seus principais ativos culturais, físicos, ambientais e produtivos, com a perspectiva de uma ampla plataforma de oportunidades de negócios, trabalho e renda com a conservação da natureza e da cultura regional.

O conteúdo do seminário estará disponível a partir de fevereiro de 2011 no site de redes sociais que discutem o desenvolvimento do Sul da Bahia, a exemplo da Rede Sul da Bahia Justa e Sustentável, a Câmara de Turismo da Costa do Cacau, Lista do Cacau, Reserva da Biosfera da Mata Atlântica da Bahia, Territórios de Identidade do Litoral Sul e do Baixo Sul da Bahia, Ação Ilhéus, Care, Instituto Floresta Viva, IESB, Instituto Cabruca e demais organizações regionais.

Atenciosamente,

Jorge Chiapetti e Rui Rocha
Comissão Organizadora
Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais, UESC


____________________________ PROGRAMAÇÃO


8:00h – Inscrição dos participantes

8:30h – Boas vindas e apresentação do programa do evento

8:45h às 10:15h – Mesa redonda - O desenvolvimento dos territórios no baixo Sul e do litoral Sul da Bahia: a rota da sustentabilidade, perspectivas e vicissitudes. Palestrantes: Amilcar Baiardi (UFRB), Francisco Teixeira (UFBA) e Márcio Cataia (UNICAMP). Mediador: Rui Rocha (UESC/IFV)

10:15h – 10:30h – Intervalo

10:30h às 12:00h – Debate

12:00h às 13:30h – Pausa para almoço

13:30h às 15:30h – Palestra - Participação da sociedade em um plano de desenvolvimento regional. Palestrantes: Marcos Ortiz (Consultor) e Leonardo Cardoso Ivo (SEBRAE-MG).

15:30 às 17:00h - Mesa redonda - Novas perspectivas para o cacau (Paulo Sérgio Cortizo e Águido Muniz – produtores rurais), chocolate (Orson Galvão – chocolateiro artesanal), eletro-eletrônicos (Gesil Sampaio – NIT-UESC), turismo (Marcos Espinheira – Consultor) e pesca (Hugo Ricardo Lamas Diogo – Consultor, Soma Desenvolvimento & Meio Ambiente). Mediador: Jorge Chiapetti (UESC)

17:00h - Debate

18:30h – Encerramento

segunda-feira, novembro 29, 2010

Lições da Guerra aos Pés do Redentor

Nós leigos sempre tivemos essa noção de que é possível enfrentar esse poder paralelo, dominar esses caras que vivem esculhambando com a moral de nossa ordem publica e forças militares.
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E afinal, cabe mesmo ao exército buscar suas armas traficadas contra o povo, e basta desse Brasil onde um bando de garotos dominam a ordem pública. Se assim continuar, só resta ver helicopteros derrubados e quarteis. em chamas
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Ora, nós podemos ser um país, e precisamos defendê-lo inteiramente de qualquer ameaça externa ou interna, e combater o mal precisa ser um exercicio inteligente contra a violência. O mérito dessa operação foi o seu caráter "contra a violência", para isso a Marinha construiu seus blindados, para defender as nossas crianças.
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Parecia o 11 de setembro, a TV mudou a programação, e os brasileiros refletiram a violência em dose dupla, misturando ficção e realidade. Mas só que nesse episódio o inimigo é interno, é patrocinado pela pobreza e curripção nacional. Ainda falta muito pra entender o final desse filme, muito trabalho competente e muito amor para que esse momento não vire marketing político, pré-copa, pré-olímpico, moda, brincadeira da ficção.
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Enquanto os cinemas lotam com Tropa de Elite 2 em recorde nacional absoluto, a TV repete o Bope real. Tudo se mistura e o verdadeiro Capitão Nascimento do filme virou estrategista e aparece na TV Globo como comentarista de segurança para narrar o nosso Dia D de combate ao crime, tudo organizado em uma consagrada audiência.
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Parece que tudo deu certo, primeiro porque as forças militares se uniram, o povo gostou do que viu, e foi uma bela lição para os bandidos de todo o Brasil, demonstrando que o poder maior é do bem e é a força pública. Ao mesmo tempo os militares se viram na graça da imprensa, e amigo do povo. Melhor impossível, é como uma guerra da paz, uma sensação de dever cumprido no cinema e na vida real com direito a pipoca com refrigerante, pois o carro e as motos são nossas mas a guerra mesmo é no mundo paralelo que só conhece quem mora lá.
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Está tudo muito bom se continuar assim, sem mortes, porque a maior vitória dessa operação foram as baixas mínimas, foi a superioridades das forças do bem. A morte sempre complica as coisas, trás mais problemas, mais revoltados, afinal esses marginais também são brasileiros e possuem suas famílias nessas periferias.
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O legal é que a ficção ajudou a realidade e a ocupação foi compreendida pela população, como uma força tarefa conjunta, uma rede organizada à luz da fiel vigilância da imprensa. Assim, a coisa saiu como está na constituição, sem torturas, sem excessos, e sobretudo, enaltecendo a inteligência, a competência e o bom censo.
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A cocaína vai continuar pois esse é um outro problema que precisa também de outros remédios de segurança territorial e também da democratização do tratamento de viciados, mas as comunidades carentes dominadas pela violência precisa já, à partir de agora, no Rio de Janeiro e em todas as partes do Brasil. Essa é a grande lição desse teatro de operações militares e jornalísticas, nossas cidades não devem continuar a ser apartheid, precisam ser um território livre, onde se garanta a dignidade e a liberdade de todos os cidadãos, indistintamente.

RODRIGO PIMENTAL QUANDO AINDA ERA "O CAPITÃO NASCIMENTO", ANTES DE DEIXAR O BOPE E VIRAR CONSULTOR, ESCRITOR, PALESTRASTE E COMENTARISTA. ESSA É UMA ENTREVISA HISTÓRICA, QUE DIZ A VERDADE SEM GLAMOUR. IMPERDÍVEL.



RODRIGO PIMENTAL 2 ...



TENETE CORONE PAULO HENRIQUE, COMANDANTE DO BOPE NESSA BEM SUCEDIDA E PARADIGMÁTICA OCUPAÇÃO, AINDA COM FÔLEGO PAR FALAR COM A IMPRENSA.

E PRA QUE NIGUÉM SE ESQUEÇA QUE ISSO É MESMO UMA GUERRA REAL, VEJA OS MOMENTOS NÃO FICCIONAIS ANTERIORES AO QUE VEMOS COMO O SHOW NACIONAL DA VIOLÊNCIA VIVENCIADA, MAS QUE É FEITA DE CARNE, PELE E SANGUE BRASILEIRO.


domingo, novembro 21, 2010

MINHA ÁFRICA DO SUL DA BAHIA

POR PAULO PAIVA
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Ilhéus e Itacaré são importantes referências de negritude e de cultura negra afrobrasileira. E nessa área está surgindo e resurgindo um dos movimentos sociais mais importantes do Sul da Bahia. Diversos eixos de mobilização, organização, desenvolvimento de projetos tem sido perseguidos e aperfeiçoados.
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Parabéns a esses guerreiros com ou sem cor, mas com consciência negra. Parabéns Jorge Rasta da Casa do Boneco de Itacaré, à Fabiana do Projeto Liderança Quilombola do Instituto Floresta Viva e Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, que tem colaborado com o movimento em Itacaré, e que realizou um belíssimo intercâmbio (de ônibus e avião) levando nossas lideranças à Olinda, Campinas, Senhor do Bonfim, etc.
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Parabéns a todas aos mais de 500 comunidades de terreiros, que ainda estão anônimas e sem reconhecimento, ao Jaco Galdino e Dó Santana do Movimento Cultural Arte Mãnha de Caravelas, e de forma toda especial, a todos os integrantes dos movimentos quilombolas dessa Bahia imensa. Parabéns ao povo de Elvercia em Nova Viçosa, esquecido no meio do mar de eucalipto do extremo sul da Bahia, um parabéns muito especial ao Valmir dos Santos da comunidade de Tijuaçú no município de Senhor do Bonfim, e as nossas resistências locais de Ilhéus, como Mãe Ilza e seu filho Marinho do Terreiro de Matamba Tombenci, e parabéns ao presidente Lula, que não foi bem na área ambiental mas nunca será esquecido por ter apoiado uma política para as comunidades tradicionais de índios, pobres, sem terras, pescadores, marisqueiras, caipiras enfim, herdeiros da opressão econômica e territorial histórica.
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Na foto abaixo, Delsuc Gomes dos Santos, uma das grandes lideranças do novo sul da Bahia, com sua mãe, moradores do Quilombo do Fojo na zona rural de Itacaré. Essas são as novas faces do Brasil que resolve enfrentar o dragão das injustiças sociais e dos prejuízos humanos, em busca da verdadeira libertação da sociedade brasileira, quebrando de uma vez as algemas do passado que permanecem infiltrada em nossa cultura de mil tons.
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BRASIL, MAIOR PAÍS NEGRO DO PLANETA COMEMORA SEU 19 DE NOVEMBRO - DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA. O SUL DA BAHIA TEM MUITO DA HISTÓRIA DESSES POVOS FORMADORES DO BRASIL E DA NOSSA CULTURA. ESSA GENTE QUE NÃO É PORTUGUESA, NÃO É ITALIANA, NÃO É SUÍÇA, NÃO É LIBANESA, E QUE NÃO SABEMOS DISTINGUIR QUEM SÃO, DE QUE PAÍSES VIERAM. E DENTRO DESSE IMENSO ESQUECIMENTO, COLOCAMO-NOS DIANTE DE UMA IMENSA TAREFA: REESCREVER A NOSSA HISTÓRIA E MUDAR O NOSSO DESTINO. ENQUANTO ISSO NOS RESTA O CONSOLO DA COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA DE QUE SOMOS TODOS NEGROS TAMBÉM.
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CLARO QUE NEM TODOS TÊM ESSE DOM NO ESPÍRITO DE ENTENDER O IMENSA RIQUEZA QUE VEIO DESSE CONTINENTE DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO, E COMO NÃO SABEMOS DIREITO A HISTÓRIA DE CADA PEDACINHO DESSE BRASIL DA MEGADIVERSIDADE CULTURAL, CHAMAMOS NOSSOS ANTEPASSADOS DE COR APENAS POR NEGROS, AFRICANOS, ENQUANTO AGENTE NÃO RESGATA UM MÍNIMO DE NÓS MESMOS, DA NEGRITUDE QUE NOS PARIU, NOSSOS TRAÇOS E NOSSA ORIGEM.
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O sul da Bahia tem um papel importante no resgate da história do Brasil, mas falta muito exercicio de memória para resgatarmos um mínimo do imenso patrimônio imaterial naufragado no esquecimento. Mesmo assim, como Cristãos saindo das catacumbas, a nossa gente humilde está encontrando um caminho político, frestas de luz ao diálogo, esperança de redenção. O movimento quilombola tem um significado socio-territorial e histórico-cultural de resgate de direitos e reconhecimento de quem mais trabalhou por esse país. E é buscando as origens da opressão que nós esperamos ver essas comunidades saírem definitivamente do anonimato, e da dependência.
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Ilhéus, Itacaré, Maraú, Canavieiras, Caravelas, o cacau, o dendê, tudo nesta faixa de litoral é muito África. Temos registrado em nossos trabalhos como jornalista e de forma muito especial, com os recursos do audiovisual, esse imenso campo de redescoberta da identidade nacional através da ponte azul do mar Brasil-África.

Dia 19 é um dia de uma reflexão profunda ... A grande liderança quilombola, Valmir dos Santos da comunidade de Tijuaçú (Senhor do Bonfim) diz em um de nossos documentários: "a realidade é que nossa vida é uma vida paltada em dificuldades, desde que fomos trazidos de nosso país de origem para cá, que nós temos passado por todo tipo de dificuldade".
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Essa semana, comunidades e movimentos negros festejam e reforçam os compromissos com uma política de governo especial para o negro, com uma conscientização social mobilizada, com o combate a pobreza pela inclusão total aos benefícios da civilização. Por isso, hoje é dia de parabéns para todos que estão trabalhando pra reler a África daqui, aqui. Parabéns a Fundação Palmares, ao governo pela política Quilombola. Na foto ao lado, Mãe Ilza, herdeira de uns dos terreiros mais antigos de Ilhéus e da Bahia.
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Eu tenho aprendido muito com esse movimento social de combate a ignorância e ao esquecimento, e fico de olho na transformação definitiva "do olhar da sociedade brasileira", que possa se voltar para o enxergar o que vê, se curando da cegueira maldita que é a verdadeira ignorância social, um presuposto fundamental para o Brasil ser desenvolvido, um país Classe A no terceiro mundo. Tudo ainda é pouco para isso, anda devagar e já demorou demais, mas se ainda existem interesses que remam contra a pressa dos injustiçados, iremos longe, e iremos chegar mesmo assim, logo ali, transformados pela solidariedade, em um país escola da humanidade.

terça-feira, novembro 16, 2010

Diálogos da Sustentabilidade (10): Dilma e a natureza brasileira merecem descanço

Dilma e a natureza brasileira merecem descanso
Por Rui Barbosa da Rocha*

Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, é diretor do Instituto Floresta Viva, membro da Rede Sul da Bahia Justo e Sustentável e empreendedor social da Ashoka desde 2008.

Dotada de extraordinária biodiversidade e com um dos mirantes mais bonitos do planeta, a região compõe o Corredor Ecológico mais significativo da Mata Atlântica, além de ser um pólo emergente de ecoturismo no Nordeste, recebendo centenas de milhares de turistas nacionais e estrangeiros, todos os anos, como foi a Dilma este ano, e Sarkozy e Carla Bruni em dezembro de 2008.
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A história é conhecida por todos: os ciclos do pau brasil e da cana de açúcar começaram na Capitania de Ilhéus, litoral Sul da Bahia. Depois vieram os desmatamentos para as pastagens, roçados de mandioca, a exploração do garimpo nos sertões, a extração de madeiras, a caça indiscriminada, tudo junto com a escravidão e depois o trabalho mal remunerado, que explicam muito do atual quadro social e ambiental no Brasil.

Passaram-se alguns séculos e o país continuou atrasado em relação ao mundo ocidental, que marchou movido pela revolução científica e industrial. Nós fechamos o século XIX como um imenso produtor de matérias primas – café, cacau, borracha e cana de açúcar, com muita miséria e latifúndios pelo país. Assim, adotamos no século XX uma ordem imperativa de industrialização e urbanização acelerada. Crescemos durante décadas a taxas de 8 a 10 % ao ano, até 1980, feito somente conquistado pela China dos últimos anos.

Este fenômeno só ampliou em doses cavalares os nossos problemas sociais e ambientais, com o crescimento desordenado de cidades e a ocupação irregular de matas ciliares e encostas de morros. Riachos e rios converteram-se em esgotos a céu aberto, como o Tietê, em São Paulo, ou o Rio Vermelho, em Salvador. Favelas passaram a ser uma marca de todas as nossas cidades médias e grandes. Em algumas cidades maiores, a poluição atmosférica mata centenas de pessoas todos os anos. Os brasileiros, mesmo trabalhando mais do que muitos povos da terra, herdaram ambientes insalubres para viver, sem vida cultural e com escolas marcadas pela violência e pouco aprendizado. A Mata Atlântica, uma das maiores e mais ricas florestas tropicais do mundo, quase acabou.

Mesmo com este legado, o início do século XXI repete a pegada anterior. O projeto mais importante do governo brasileiro chama-se PAC, ou programa de aceleração do crescimento. No governo FHC, o nome era parecido e a agenda idem – Avança Brasil. A impressão que fica é que este tipo de mensagem publicitária já existia desde o ciclo do pau brasil – afinal, os índios eram muito lentos no trabalho de cortar as árvores e empilhá-las no litoral, e precisavam de mensagens encorajadoras para produzir e exportar nossas riquezas.

Até hoje os índios levam a fama de preguiçosos, assim como costumamos chamar os indolentes nordestinos e especialmente os baianos. A substituição da natureza original brasileira por pastos, concreto e asfalto são signos muito fortes que norteiam os investimentos públicos, inclusive antes das eleições – não é a toa que os assuntos do dia envolvem a revisão do código florestal e as grandes obras para a Copa e Olimpiadas, além de portos e ferrovias para as velhas e novas commodities.

Uma natureza exausta, consumida por séculos de exploração e degradação, se soma ao desgaste do brasileiro comum – a recente comida na mesa e a televisão na sala são bons motivos para comemorar, mas o luxo de termos uma natureza preservada, com rios limpos, florestas e peixes abundantes, fica cada vez mais comprometido pela imperiosa necessidade do crescimento econômico.

O final deste ano é marcado pela eleição de Dilma, a primeira mulher a ocupar a presidência da república no Brasil. Ela, exausta por meses de campanha eleitoral e acusações de todos os tipos, venceu a eleição com a marca de ser a mãe do PAC. Nada mais emblemático. E, para completar o surrealismo brasileiro, ela escolheu a praia do Patizeiro, em Itacaré, exatamente no Sul da Bahia, para descansar. Este local fica ao lado da praia do Norte, em Ilhéus, vizinho da Lagoa Encantada e do Parque Estadual da Serra do Conduru. Dotada de extraordinária biodiversidade e com um dos mirantes mais bonitos do planeta, a região compõe o Corredor Ecológico mais significativo da Mata Atlântica, além de ser um pólo emergente de ecoturismo no Nordeste, recebendo centenas de milhares de turistas nacionais e estrangeiros, todos os anos, como foi a Dilma este ano, e Sarkozy e Carla Bruni em dezembro de 2008. Sim, um dos últimos locais do litoral brasileiro que possui florestas preservadas e rios limpos, como o Rio Tijuípe, que ali deságua puro no Oceano Atlântico. Dilma finalmente descansou, ao menos por quatro dias. Do alto do morro em que estava hospedada viu o mar azul da Bahia, florestas, rios e cachoeiras, e muitos pássaros que cantam dia e noite, entre as árvores e palmeiras. Um descanso merecido.

A contradição é que o local escolhido para o descanso de Dilma é exatamente aonde o governo federal pretende construir um complexo logístico para escoar minério de ferro, assunto precioso para a BAMIN, empresa da Eurasian Natural Resources, do Cazaquistão – a ENRC. Uma mina em Caetité, com vida útil de 15 anos, viabilizaria este projeto de porto e de ferrovia até Ilhéus.

Jaques Wagner, antigo sindicalista do Pólo Petroquímico de Camaçari e ex deputado federal que aprovou a lei que hoje protege a Mata Atlântica, foi o maior cabo eleitoral de Dilma. O atual governador baiano adotou este projeto do PAC como a mais importante obra de seu governo– em nome da geração de empregos e renda para o seu estado miserável, graças a uma parceria público e privada que ‘alavancará’ a economia baiana, integrando-a a outras regiões mais ‘dinâmicas’ da Bahia e do Brasil, como o centro oeste, o eldorado da soja, o novo pau Brasil da economia nacional.

Por um capricho do destino, a mãe do PAC precisou repousar exatamente aqui , recuperando as forças para exercer a presidência a partir de 2011 – avançando com a agenda de grandes projetos de infra-estrutura, como o Porto Sul , na Lagoa Encantada, ou ... refletir, como o mundo inteiro está a fazer, sobre um outro caminho para o bem estar do país e do planeta.

É possível sonhar em Dilma como a esperança de um Brasil mais doce, mais sábio, mais cuidadoso com a natureza e as vocações culturais e criativas do seu povo? Tom Jobim, nosso mais famoso músico, em uma viagem aos Estados Unidos, contou que aprendeu a arte da música com os pássaros de sua terra. Esperemos que a nova presidente tenha descoberto com eles outro jeito de governar o Brasil, oferecendo para si e para a natureza um ritmo aonde a paz e o bem estar sejam o tom da vida.

Diálogos da Sustentabilidade (9): Campanha presidencial deixou de lado potencial ecológico do país

Campanha presidencial deixou de lado potencial ecológico do país
por Nádia Pontes - Revisão de Roselaine Wandscheer

A proteção climática recebe mais atenção fora do que dentro do Brasil. Embora nação seja vista como promessa de liderança verde, com exceção de Marina Silva, candidatos à presidência dão pouca importância ao assunto.

Sob a perspectiva estrangeira, o Brasil recebe destaque por sua forte atuação em favor da proteção ambiental. A imprensa internacional lembra com frequência o punho de ferro do presidente Lula ao defender, diante da plateia incrédula na cúpula do clima de Copenhague, a adoção de metas de redução de emissões.

"O presidente do Brasil naquela ocasião contribuiu para mudar o resultado das negociações climáticas. Foi depois de Lula que os Estados Unidos, China e Japão começaram a falar em redução também", cita Federico Foders, pesquisador da Universidade de Colônia.

Todo esse potencial, no entanto, não encabeça as pautas dos candidatos com chance de ganhar a presidência do país. José Serra faz chegar ao público suas propostas ligadas a economia e saúde. Dilma Rousseff bate na tecla do continuísmo e programas sociais bem-sucedidos do governo Lula. "E Marina Silva é vista como a candidata monotemática pelo eleitorado brasileiro, com foco em políticas ambientais e climáticas", analisa Daniel Flemes, pesquisador especializado em política brasileira, do Instituto Alemão para Estudos Globais e Regionais (Giga).

Já Roberto Guimarães, pesquisador em política ambiental da Fundação Getúlio Vargas, afirma categoricamente: "Meio ambiente é um tema que não existe na agenda dos candidatos. Marina é a única que discute o assunto sob o aspecto do desenvolvimento sustentável. Ela deu muito enfoque a meio ambiente no começo da campanha, mas há duas semanas ela mudou o discurso, de maneira a que as pessoas entendam mais o assunto. E foi então que ela começou a crescer nas pesquisas".

Elemento não decisivo

Ainda na década de 1970, Roberto Guimarães passou a investigar as relações entre meio ambiente e política. Sobre a posição internacional progressista em questões ambientais do governo Lula, que gera esse prestígio no exterior, Guimarães pontua: "Essa é, talvez, a única coisa que Lula não pode dizer que seja algo que aconteceu ‘pela primeira vez na história do país'. Porque o Brasil, desde a época da ditadura, sempre é considerado de vanguarda quando se discute o problema internacionalmente, só se esquecem de aplicar dentro do país o que falam lá fora".

Em 1972, quando se falou em internacionalização da Amazônia, o governo ditatorial não fez qualquer oposição, não defendeu o território brasileiro. Argumentou apenas que, já que a floresta era considerada um patrimônio internacional, o conhecimento científico também teria esse mérito e que, portanto, todas as patentes mundiais deveriam ser quebradas para que o conhecimento fosse internacionalizado. O mundo calou-se e não se falou mais sobre a Amazônia como território compartilhado, lembra Guimarães, citando o histórico progressismo internacional brasileiro para questões ligadas ao meio ambiente.

Da Alemanha, Daniel Flemes analisa que a ex-ministra do Meio Ambiente deu um impulso tardio significativo à administração Lula. "Foi somente depois que Marina Silva deixou o ministério que o governo do Partido dos Trabalhadores reconheceu a importância da discussão climática e tentou, com certo sucesso, promover o Brasil como potência climática no cenário mundial."

Heranças incertas

O posicionamento brasileiro na área de meio ambiente também rende manchetes internacionais não tão positivas. E dois temas especialmente polêmicos do governo Lula serão herdados pelo próximo presidente: a hidrelétrica de Belo Monte e a usina nuclear Angra 3.

"Se Dilma vencer as eleições, ela não só vai herdar a questão de Belo Monte, ela também vai tocar o projeto adiante. O escândalo está no fato de que essa é uma obra totalmente financiada pelo governo. Não é viável nem em termos de mercado. Além de todas as outras questões de impacto ambiental e social", analisa Roberto Guimarães.

O edital de montagem de Angra, conforme noticiou a Eletronuclear nesta quarta-feira (29/09), foi adiado e agora é esperado para novembro, quando o Brasil já souber quem será seu novo presidente.

Efeito pós-eleição

Para Daniel Flemes, embora o tema proteção ambiental seja mencionado de forma breve por José Serra e Dilma Rousseff, a maioria dos eleitores não pondera o assunto de forma crucial: "Clima e meio ambiente não são tão importantes como problemas sociais e econômicos, saúde e educação. Portanto, as questões ligadas a meio ambiente não terão um impacto decisivo nas eleições".

Já o Roberto Guimarães vê o avanço de Marina Silva nas pesquisas como um indicativo de que a população brasileira possa estar mais atenta à discussão. "Acredito que a campanha de Marina esteja influenciando, sim, a população, e que as ideias pregadas por ela vão causar um impacto depois da eleição. Os brasileiros irão exigir mais do governo nesse assunto."

Diálogos da Sustentabilidade (8): A Costa do Cacau em busca de um destino

A Costa do Cacau em busca de um destinopor Antônio Martins, do Outras Palavras
I.

Selva, Oceano, Cultura e História parecem ter se encontrado para tramar, no sul da Bahia, uma celebração dionisíaca de fertilidade e saberes. Aqui está situada a Costa do Cacau. Abre-se a 450 quilômetros de Salvador (pela BR-101), em Itacaré, onde deságua o Rio de Contas e o viajante encontra, além das praias ornadas por coqueiros, falésias que permitem à floresta um raro contato com o mar. Estende-se, sempre rumo ao sul e rente ao litoral, por 200 quilômetros. As praias são cortadas por montanhas, rios e cachoeiras. Mar adentro, fervilha a maior área de recifes coralinos de todo o Atlântico Sul. Oferece abrigo e alimento a uma rica fauna marinha, que inclui cerca de vinte espécies de peixes endêmicas (só existentes na região) e ocupa mais de 7 mil pescadores artesanais. Este cenário de espetáculos fecha-se em Canavieiras, de casario colorido, ilhas, manguezais, caranguejos e pesca oceânica de fama mundial.

Mas embrenha-se também para o interior, menos turístico e talvez ainda mais rico. Concentram-se no sul da Bahia 80% do pouco que foi preservado da Floresta Atlântica, no Nordeste. Localizam-se na Costa do Cacau, entre outros tesouros, o trecho final do legendário rio Jequitinhonha; o Ecoparque do Una, um dos santuários do mico-leão de cabeça dourada e abrigo de outras espécies ameaçadas, como o macaco-prego-de-peito-amarelo e a preguiça-de-coleira; a Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa Encantada, com suas ilhas flutuantes, lendas e cascatas; o Parque Estadual da Serra do Conduru, apontado em estudo de 2004 como a área de maior biodiversidade vegetal por hectare do país.

Ao centro da Costa, está uma de suas “capitais”, Ilhéus, de 220 mil habitantes (a outra é Itabuna, mais ao interior, com população equivalente). Introduzida na literatura pelos romances de Jorge Amado, conserva ainda o Bar Vesúvio, o cabaré Bataclan, o porto que fez a riqueza da região. Mas sua história vem de muito antes dos tempos do cacau, dos coronéis, de Gabriela e Nassib. Fundada em 1534, a vila protagonizou os principais ciclos econômicos que marcaram a Colônia. Ao pau-brasil, extraído do litoral baiano, somou-se, já no século XVI, a cana-de-açúcar (o Engenho de Santana, criado por Mem de Sá, data de 1573). A fruta que produz o chocolate, e terminou dando nome à região, foi introduzida no país em 1746. Uma pequena roça surgiria na histórica Canavieiras, seis anos depois — e os cultivos comerciais, nos anos 1890, quando chegaram os imigrantes alemães.

Originário da Amazônia, o cacaueiro encontrou na região um clima propício e, em especial, uma forma de cultivo inovadora: a “cabruca”. Caprichosa, a planta — uma árvore que atinge, no máximo, 6 metros — necessita de sombra, para se desenvolver. Em outras regiões, o sombreamento é fornecido por um segundo cultivo, de espécie mais alta. No sul da Bahia, não. Os cacaueiros são plantados, há mais de dois séculos, em meio à Mata Atlântica. Esta técnica permitiu que se preservassem, além dos trechos onde a floresta permanece intocada, extensas áreas de semipreservação. Conservam parte importante da flora e fauna originais. São sinais precursores de uma possível agricultura não-devastadora, numa época em que o ser humano busca novas formas de relação com a natureza.

A Costa do Cacau abriga, ainda, os remanescentes de uma das principais nações indígenas existentes no Brasil em 1500: os tupinambás. Conhecidos pela resistência que impuseram ao ocupante europeu e pela prática da antropofagia, espalhados por diversos pontos do litoral, desapareceram quase por completo — em parte, devido à própria bravura. Porém, permanecem entre Canavieiras e Ilhéus. Reúnem-se em doze comunidades. São predominantes na vila de Olivença, distrito 15 quilômetros ao sul de Ilhéus. São parte do renascimento e revalorização das culturas indígenas, tendência marcante no país na década atual. Reivindicam, desde 2003, a demarcação de um território de 47 mil hectares. Têm, desde 2009, apoio da Funai.

II.

Como em tantas regiões do Brasil, este cenário de riquezas naturais e humanas é contrafeito, em parte, pelo latifúndio e monocultura. Os ciclos econômicos sucederam-se, mas a estrutura social permaneceu intacta por quatro séculos. A descoberta do valor do cacau provocou, entre as décadas de 1890 e 1930, uma onda de concentração de terras (muitas vezes violenta), polarização social, reprodução das relações Casa Grande & Senzala. Os fazendeiros do início do século passado construíram um porto próprio e julgaram-se integrados à Europa. No cais em que embarcavam, sem beneficiamento, os fardos com o fruto dourado, eram recebidos os artistas, as dançarinas, os aventureiros, os pianos-de-cauda, as louças e cristais. A cidade teve teatro, hotéis e armazéns de luxo, cassinos e cabarés. O cardápio dos banquetes chegou a ser impresso em francês. Mas a fruição era para muito poucos. Não se tratava de construir um país, e sim de explorar um recurso. Por isso, à exceção da reduzida elite, a sociedade eram braços: para plantar e colher o cacau; para carregar e descarregar os navios; para levar os pianos, mobílias e baixelas aos casarões ou às fazendas.

Commodities como o cacau eram porém, no cenário econômico do século passado, abundantes e, como tendência, baratas. Quando as cotações de um produto qualquer viviam uma alta momentânea, a indústria de transformação — à época, pólo principal da acumulação capitalista — estimulava, naturalmente, a emergência de outras regiões produtoras. Em seu esplendor, o sul baiano, sozinho, fez do Brasil o segundo maior produtor mundial de cacau. Esta posição declinou constantemente nas décadas seguintes, diante da concorrência de produtores africanos e centro-americanos. A multiplicação das fontes de abastecimento derrubou os preços e encerrou o fausto.

O drama transformou-se em tragédia no final dos anos 1980. O cacau sul-americano foi atingido por uma praga devastadora. Um fungo (M.Perniciosa) provoca a ramificação irregular da árvore (em forma de “vassouras-de-bruxa”, nome popular da doença) e inibe o nascimento de frutos. Sem que haja, ainda, forma de combatê-la adequadamente (cientistas brasileiros buscam o sequenciamento genético do M.Perniciosa), a vassoura-de-bruxa devastou os cacauais do sul da Bahia. A produção nacional despencou — em alguns anos, para 40% da registrada em 1989. O país oscila entre o quinto e o sétimo posto, no ranking da produção mundial, respondendo por apenas 4% do total colhido. Em alguns períodos, a produção sequer é suficiente para atender à indústria nacional, exigindo importações.

O peso da crise recaiu principalmente sobre os braços humanos da lavoura. O cacau, que exige mão-de-obra intensiva, dispensou metade dos 400 mil trabalhadores ocupados em seu cultivo. Expulsos das plantações, migraram em massa para cidades com infra-estrutura já insuficiente. A pressão sobre a natureza foi inevitável. Hoje, 72% da população de Ilhéus (ou 160 mil pessoas) é obrigada a viver em áreas irregulares — morros, mangues ou beiras de rio. Surgiram e se espalharam, pelas cidades da região, bairros novos e assustadores como o Teotônio Vilela, com 40 mil habitantes e sem infra-estrutura alguma. Milhares de pessoas sem ocupação regular são pressionadas a sobreviver do que podem — e uma das alternativas mais fáceis é o extrativismo predatório, em áreas da Mata Atlântica e da própria APA da Lagoa Encantada.

Os números escancaram a pobreza. Em 2007, 47% dos moradores de Ilhéus viviam graças ao Bolsa-família. Em toda a região da Costa do Cacau, atividade econômica e arrecadação de impostos declinaram tanto que 86% da receita dos municípios são provenientes de transferências dos governos federal e baiano. Este empobrecimento continuado abriria caminho, no início do século 21, para uma busca de alternativas econômicas — quaisquer que fossem elas.

III.

Cerca de 500 quilômetros a oeste de Ilhéus, na transição entre o cerrado e a catinga e pouco ao norte da divisa com Minas Gerais, está a hoje pacata Caetité, de 48 mil habitantes. Teve um passado glorioso. Participou ativamente da luta pela independência da Bahia (conquistada em guerra contra os portugueses). Foi a primeira cidade do interior do Estado a estabelecer rede de energia elétrica e Escola Normal. Elegeu o primeiro governador baiano (em 1894). É terra natal de Anísio Teixeira, o grande educador brasileiro da primeira metade do século 20 (lá também nasceu o cantor Waldick Soriano…).

Mas estagnou nos últimos cem anos, como a maior parte do sertão. A economia baseia-se na pecuária extensiva, em algumas tecelagens e cerâmicas. Embora muito rico, o subsolo rendeu pouco à cidade, até hoje. A mineração de urânio, manejada pelas Indústras Nucleares do Brasil (INB), emprega pouco mais de cem pessoas, e já provocou desalojamentos e contaminações. Depósitos de manganês e ametista, também presentes, têm pouco valor comercial. Mas desde 2005, a descoberta de um aventureiro alvoroça a cidade, e mobiliza energias do governo da Bahia.

Nesse ano, o geólogo e engenheiro de minas João Cavalcanti anunciou ter localizado, em Caetité, o que pode ser a terceira maior jazida de ferro do Brasil — segundo maior produtor mundial do minério. Milionário e bon-vivant, com pretensões na política (no início do ano postulou ser indicado vice-governador da Bahia, na chapa de Geddel Vieira Lima-PMDB; atualmente, apoia a reeleição de Jacques Wagner-PT), Cavalcanti nasceu pobre em Caculé, vizinha a Caetité. Enriqueceu ao longo de uma sucessão de descobertas e negócios ligados à mineração (isso ocorre nos ultimos cinco anos, especialmente após a criação e venda da BAMIN). É sócio de Daniel Dantas (em projetos de mineração no Piauí – em todo o Brasil, através da GME 4). Conta que se impressionou pela riqueza mineral do sertão sul baiano no final dos anos 1950, quando obsevava, ainda menino, o burburinho em torno das minas de manganês e urânio, “visitadas por geólogos alemães, espanhóis e de outros países”: “Eu observava aqueles caras no bar, de martelo na cintura e o jipão sem capota parado, o mulherio em cima, cerveja sobre a mesa e dizia: ‘isso que é vida’.”

O imaginativo João Cavalcanti parece ter descoberto riqueza sólida no sertão. As jazidas seriam suficiente para extrair 32 milhões de toneladas por ano, durante cerca de duas décadas. É mais de 10% do total extraído pela Vale, a maior produtora e exportadora mundial do minério. Volume suficiente, segundo estudos da Fundação Vanzolini, para uma receita de 7,5 bilhões de dólares ao ano — superior ao PIB do Haiti ou da Nicarágua.

O calibre dos investimentos necessários para viabilizar a operação é superior à bala que Cavalcanti tem na agulha. Já no final de 2005, ele vendeu 70% da BML, empresa que constitiui inicialmente, para a Zamin Ferrous, do investidor indiano Pramod Agarwal. Em 2007, desfez-se do restante da empresa. Em 2008, a Zamin repassou 50% da companhia — já então denominada Bahia Mineração, ou Bamin, para a Eurasian Natural Resource Corporation (ENRC), que tem sede no Casaquistão, é a quinta maior mineradora da Ásia e sexta maior exportadora de ferro do mundo. A atual Bamin, portanto, é um investimento indiano-casaque. Sua sede, contudo, está em Salvador. Seus escritórios, em Ilhéus, Caetité e Belo Horizonte, além da capital baiana. Seu staff é constituído de executivos e geólogos brasileiros, encarregados de viabilizar tecnicamente a extração do minério, garantir o licenciamento ambiental e — aspecto fundamental — batalhar junto ao Estado as condições de infraestrutura e logística indispensáveis para viabilizar o empreendimento. Aqui, volta à cena a Costa do Cacau.

IV.

Para materializar-se, a fulgurante riqueza que a Bamin possui em Caetité precisa deixar o sertão baiano. Lá, as montanhas de ferro são apenas parte da paisagem. É nas rotas do comércio internacional que se transformam em dinheiro. A necessidade de infra-estrutura obriga a empresa a entender-se com o Estado. Logo depois de adquirirem a Bamin, os controladores da Zamin Ferrous iniciaram contatos com o governo da Bahia. Seu plano inicial era abrir um mineroduto até o litoral. Em Caetité, a 860 metros de altitude, o ferro será britado da rocha, moído, separado de impurezas e transformado em pellets pelotas-pó de 0,15 milímetros de diâmetro. Por meio de um duto (e impulsionadas por uso intensivo de água), estas atravessariam sertão e serra do Mar, até encontrar o litoral, onde seria construído um porto de exportação. Por estar praticamente na mesma latitude e ser um centro urbano consolidado, Ilhéus era a escolha mais favorável à empresa.

Em março de 2007, o indiano Pramod Agarwal veio ao Brasil e apresentou seus projetos ao governador baiano, Jacques Wagner. Mas, informadas sobre a riqueza ferrífera de Caetité, as autoridades vislumbraram algo maior. Ilhéus merecia mais que um porto novo e a boca de um minerioduto. Seria o ponto de chegada de uma das obras viárias mais importantes do PAC: a Ferrovia de integração Oeste-Leste. Na lógica do governo, é a forma de resgatar a cidade esplendorosa dos anos 1930, livrando-a da estagnação e empobrecimento atuais.

Ainda pouco conhecida fora das regiões em que será construída, a Oeste-Leste é um projeto ambicioso. Nasce em Figueirópolis, interior de Tocantins. Entregue à estatal ferroviária Valec, pretende ligar a nova fronteira agrícola do país ao mar, sem repetir os vícios do transporte rodoviário. Entronca-se, ainda em Tocantins, com a ferrovia Norte-Sul, que, retomada em 2007, deverá unir Belém (PA) ao Oeste de São Paulo, em 2012. Juntas, ambas podem ser o embrião de uma nova malha ferroviária no Brasil.

As ideias do governo Wagner para Ilhéus estão em franca expansão — a ponto de terem desencadeado, na cidade, mais um episódio de algo que se incorporou ao cenário político do país: a polêmica entre a esquerda desenvolvimentista e a ambientalista. Em abril de 2008, um decreto destinou, ao complexo de exportação de minérios privado, a ser construído pela Bamin, uma área de 1.770 hectares. Está situada vinte quilômetros a Norte do núcleo urbano de Ilhéus: na chamada Ponta da Tulha, junto à foz do rio Almada. No interior da Reserva de Biosfera da Mata Atlântica e em plena Área de Preservação Ambiental (APA) da Lagoa Encantada. Deverá abrigar, segundo os planos oficiais, o chamado “retroporto”: um vasto pátio para descarregamento e empilhamento de minério de ferro da empresa, instalações industriais e de logística. O abastecimento dos navios será feito em mar aberto. Por isso partirá do retroporto, oceano adentro, uma ponte de 2,5 quilômetros, suficientemente larga para comportar a esteira de minérios e o tráfego de caminhões.

Os planos vão além, embora ainda imprecisos. Fala-se em erguer, ao lado do porto privado da Bamin, um terminal estatal – dois piers de atracação para comércio de grãos (as imensas safras do Centro-Oeste?) e até contêineres. Especula-se sobre uma siderúrgica, em área adjacente; em junho, a Sulamericana de Metais, um consórcio entre a Votorantim e as chinesas Honbridge Holdings e Xin Wen Mining Group anunciou investimentos de 2 bilhões de reais no local. Haveria, ainda, um aeroporto internacional, obra que exige área muito superior à prevista no decreto e vasta estrutura viária. À soma de todas estas instalações, que por enquanto totaliza 2,6 mil hectares, deu-se o nome de Porto Sul.

A polêmica está acesa. Em 25 de abril de 2010, um conjunto de organizações da sociedade civil promoveu o “abraço da Lagoa Encantada” e lançou um manifesto em que pede o não-licenciamento, pelo Ibama, do Porto Sul e do traçado atualmente previsto para a Ferrovia Oeste-Leste — além de reivindicar que tais obras sejam excluídas do PAC e não recebam recursos do BNDES. O Procurador da República em Ilhéus, Eduardo El Hage, protocolou ação civil pública contra o projeto âncora do complexo, o terminal privativo da Bamin). Em Brasília, a Câmara dos Deputados realizou, em 17 de junho, uma primeira audiência pública sobre o tema — tendo sido criticadas as ausências da Bamin e do governo baiano. Na luta para frear as obras, há inclusive setores empresariais — em especial, a Associação de Turismo de Ilhéus, cujo presidente, Luigi Massa, afirma: “O simples anúncio da construção de porto de minério suspendeu empreendimentos importantes”.

Em compensação, há, em Ilhéus, partidários do complexo exportador entre a sociedade civil. Parte dos militantes locais de partidos como o PT, PCdoB e PSB apoia as obras. Segundo eles, a luta contra a Bamin é elitista e hipócrita. Impedir a construção do porto, siderúrgica e aeroporto atenderia apenas ao capricho dos mais ricos e do que restou da oligarquia do cacau. O dano causado pelas obras seria minimizado pelo emprego de tecnologia avançada, em sua construção. Muito mais devastador, para a natureza (além de socialmente ultrajante) seria manter boa parte da população em estado o empobrecimento – e empurrá-la para a ocupação de áreas de proteção ambiental.

Até o início do segundo semestre, a disputa pelo futuro da Costa do Cacau parecia seguir enredo semelhante ao que vem se repetindo no Brasil, desde que o governo Lula encerrou duas décadas de depressão dos investimentos públicos e iniciou uma série de grandes projetos de infra-estrutura. O Estado propõe obra que tem repercussão social vasta e gera empregos — mas reproduz um padrão de “desenvolvimento”, associado a desigualdade, consumismo e agressões à natureza. Amplos setores da sociedade civil apontam os riscos ambientais e frisam os benefícios ao grande capital. Mas falta o passo seguinte: a alternativa. Por isso a obra é, ao final, tocada: ser excluido do modelo atual é ainda pior do que viver sob sua lógica. Ampliam-se os desencontros e desconfianças entre a esquerda desenvolvimentista e a ambientalista. Sobra a impressão amarga de que o Brasil ainda é pobre e desigual demais para ousar projetos mais refinados de desenvolvimento.

V

A partir de setembro, começou a despontar, na Costa do Cacau, uma esperança de superar este padrão. Depois de terem lançado, meses antes, um manifesto contra o complexo minero-exportador, cerca de cem movimentos e organizações sociais e ONGs apoiaram a produção de um vasto estudo sobre o futuro da região. Intitula-se “Ecodesenvolvimento e visão de futuro: o sul da Bahia muito além do Porto Sul”.

Ao longo de quase cinquenta páginas, redigidas com elegância e complementadas por imagens, gráficos e tabelas, a sociedade civil da Costa do Cacau apresenta um projeto alternativo para a região. Inspirado no conceito de sócioecodesenvolvimento, proposto pelo economista Ignacy Sachs, o documento fundamenta-se, do ponto de vista teórico, nas mudanças no paradigma de “progresso”, ocorridas nas últimas décadas. Argumenta que a produção de riquezas, antes fortemente ancorada na indústria, tornou-se muito mais complexa. A mecanização e informatização liberaram braços e interesses para outros setores. Uma nova economia baseia-se em produtos e serviços ligados aos saberes, cultura, comunicação, afetos e território. Valoriza atividades “marcadas por criatividade, descentralidade, horizontalidade, diversidade, qualidade dos produtos e da relação com a natureza”, frisa o estudo-manifesto (estudo).

Se tal constatação é válida em toda a parte, prossegue o texto, em poucos pontos do Brasil ela é tão potente quanto na Costa do Cacau. Por seu ambiente natural e história, a região está vocacionada para turismo qualificado; manufatura e agricultura associadas à cultura local; ciência, educação e informática. Transpor para lá a lógica da industrialização pesada e dos grandes projetos de logística seria, nos séculos passados, uma violência trivial. Fazer o mesmo em 2010 equivaleria a um anacronismo estulto.

O mais interessante vem a seguir. O documento é um sinal de nova cultura política. Revela a que ponto as comunidades podem levar o planejamento de seu futuro coletivo, e assumir papéis que antes eram considerados exclusivos do Estado. Ainda que estruturantes, as considerações teóricas são apenas a introdução ao texto. As organizações que o assinam não querem manter a Costa do Cacau no estado de letargia atual — nem limitar-se ao discurso ideológico de outra produção possível. Buscam o prazer de construí-la. Por isso, avançam, no corpo do estudo-manifesto, para um exame concreto e muito pragmático sobre como desenvolver, em sua região, uma economia de novo tipo. O trabalho identifica com clareza setores que poderiam puxar a conversão. São cinco: Cacau e Chocolate; Turismo ambiental e histórico; Educação, Ciência e Conhecimento; Pesca; Informática.

Em cada uma das atividades, busca-se o detalhe. Que falta para realizar o potencial da região? Quantas pessoas podem ser ocupadas? Que novidades tecnológicas é possível incorporar? Como estabelecer sinergias entre os setores? A abordagem nunca é tecnocrática. O objetivo é mobilizar a sociedade, não aliená-la.

O capítulo dedicado ao Cacau e Chocolate, por exemplo, analisa as mudanças na estrutura fundiária da região. O tempo dos coronéis, descrito por Jorge Amado, ficou para trás. Com o fim da riqueza fácil, eles moveram seu capital para outros negócios. Prevalecem agora a pequena e micro-propriedade. Há, inclusive, cerca de cem assentamentos de sem-terra.

É um cenário inteiramente adequado aos modelos contemporâneos de produção e comércio de cacau. Graças a uma nova consciência ambiental, já não é preciso oferecer o fruto a preços aviltados. Despontam, em todo o mundo, consumidores dispostos a pagar um pouco mais pelo chocolate que incorpore, em sua cadeia produtiva, valores intangíveis, como o respeitos direitos sociais e a proteção da natureza — além da qualidade, é claro. Ali mesmo, em Itacaré, um agricultor, Diego Badaró, obtém, por tonelada embarcada, valores três a quatro vezes superiores aos pagos no mercado do cacau ordinário. Seu segredo: ao cultivar em condições 100% orgânicas, e com impacto mínimo sobre a floresta, teve acesso direto a chocolatiers da Europa e Estados Unidos que visam um público mais consciente.

Com acesso a crédito, sementes e formação, milhares de agricultores poderiam buscar qualificação semelhante. O apoio público necessário é incomparavelmente menor que o requerido para financiar (olá, BNDES…) o porto e a siderúrgica. E a atividade, observa o estudo-manifesto, pode gerar dezenas de milhares de ocupações dignas. A agricultura do cacau é, por natureza, intensiva em mão-de-obra: requer, em média, um trabalhador a cada cinco hectares plantados.

Alternativamente, é possível, ao invés de exportar, promover o surgimento de uma agroindústria qualificada na própria região. Nos últimos 30 anos, houve notável miniatuarização das máquinas usadas para produção de chocolates. É possível produzi-lo, com qualidade, em empreendimentos pequenos ou artesanais: mini-indústrias ou mesmo sítios equipados. Esta opção suscitaria o florescimento de uma rede de pequenas empresas, talvez na forma de cooperativas.

Este formato, aliás, estabeleceria intensa sinergia com o Turismo Ambiental e Histórico, outra das grandes vocações identificadas para a Costa do Cacau pelo documento da sociedade civil. Neste caso, o desafio é ampliar e requalificar uma atividade já em andamento. Famosa por seus duzentos quilômetros e praia, a região atrai, a cada ano, entre 300 e 500 mil turistas — 80% dos quais interessados em conhecer de perto e fruir sua natureza (50%) ou história (30%). Estão previstos, até 2010, investimentos suplementares de 1,25 bilhão de dólares, iniciativa do setor privado, público e agências internacionais. Só na Praia do Norte, em Ilhéus, sete hotéis estão projetados, podendo gerar 2 mil postos de trabalho na obra e 2,9 mil permanentes, para acolher os visitantes (a construção foi suspensa pelo anúncio do possível porto). Só aqui, será possível gerar seis vezes as 450 ocupações com que acena o terminal privado da Bamin.

O estudo-manifesto quer mais. Avalia que o número de turistas pode ser multiplicado até por dez, se houver mais investimentos em hotéis, infra-estrutura, capacitação e planejamento. Sugere explorar, como destino, também a Serra do Conduru, coberta pela Mata Atlântica. Aponta como exemplo a localidade de Serra Grande, onde surgiu uma ecovila promissora, a partir do envolvimento da população em programas de cuidado com o ambiente. Mas vislumbra, acima de tudo, a integração do turismo à rede de agroindústrias alternativas que pode surgir em torno do cacau e chocolate.

Resgata, como exemplo, a serra gaúcha ou a região de Mendoza, na Argentina. Nos dois casos, os viajantes são incentivados a conhecer, além das belezas naturais, centros de produção que se destacam pela originalidade do cultivo (a vinha ou o cacau), possibilidade de degustar variedades do produto (vinho ou chocolate), riqueza e preservação do ambiente (a Costa do Cacau tem a vantagem da floresta) e integração social (possível nas pequenas propriedades e cooperativas). Agroindústria e turismo passam a apoiar-se mutuamente. O visitante opta pela região também para conhecer as lavouras de cacau; ou experimenta e passa a difundir os chocolates, depois de deleitar-se nas praias e matas.

A sinergia será ainda mais potente se incluir um polo de Educação, Ciência e Conhecimento voltado, também, para a investigação sobre a região, seus desafios e soluções. Também aqui, o estudo-manifesto, procura partir de uma base já existente. Na rodovia Ilhéus-Itabuna, localiza-se o campus da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Criada em 1991, tornou-se a segunda principal instituição universitária do Estado, logo após a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Reúne 15 mil estudantes, 27 cursos de graduação e quatro de pós (inclusive Cultura e Turismo e Genética da Mata Atlântica). Recebe professores qualificados de diversas regiões do país, que procuram a Costa do Cacau (ao invés de permanecerem num “grande centro” tradicional) porque prezam, acima da remuneração monetária, a qualidade de vida. O dinamismo da UESC contribuiu para atrair, mais recentemente, quatro instituições privadas e a pioneira Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), mantida pelo Intituto Ipê, uma OnG ambientalista.

O interesse das universidades por outras lógicas de produção e desenvolvimento já é real. Poderá converter-se num envolvimento ativo nas atividades de pesquisa, planejamento, ensino, formação e apoio à gestão, caso floresça, na Costa do Cacau, uma nova economia.

O documento chama atenção para a possibilidade de dinamizar, sempre por meio de práticas social e ambientalmente sustentáveis, a Pesca, que assume na região características muito peculiares. É rica, graças ao abrigo e alimento proporcionados, às espécies marinhas, pelos recifes coralinos. Ocupa diretamente cerca de 7 mil pessoas, articuladas em associações de pescadores. Mas é, também, artesanal e sustentável — por isso, mantém-se há séculos. Baseia-se numa dinâmica de rodízio pesqueiro, em sintonia com os corais. No inverno, são procuradas as espécies territoriais (como badejos e vermelhos), que habitam os recifes e suas proximidades. No verão, pescam-se as de mar aberto (dourados, atuns, cavalas, entre outras).

Durante todo o ano, o litoral oferece também caranguejos, mariscos e camarões. Mas uma experiência anterior mostrou que tal qualidade de pesca pode ser seriamente atingida por grandes intervenções de infra-estrutura. Em 1971, a construção de um porto adicional em Ilhéus — o do Malhado, para escoamento do cacau — provocou o surgimento de bancos de areia, desabilitou as praias da zona urbana (até então, atraentes e frequentadas) e afastou os cardumes. Ironicamente, o assoreamento acabou afetando a própriria obra, que hoje recebe apenas navios de até dez metros de calado.

A proposta da sociedade civil não menospreza a indústria. Com incentivos estaduais, a região formou em Ilhéus, a partir de 1995, um Pólo de Informática, que chegou a faturar R$ 2 bilhões (em 2007), reunindo 52 empresas, oferecendo centenas de ocupações qualificadas e produzindo 15% dos computadores vendidos no país. É, frisa o documento, um tipo de atividade industrial em perfeita harmonia com um novo projeto para a Costa do Cacau. Ao contrário da siderúrgica prevista pela Vale e suas parceiras chinesas, não provoca impactos no ambiente; viabiliza a existência de pequenas e médias empresas dedicadas a nichos específicos da produção; estabelece sinergia com as universidades.

O Pólo de Informática de Ilhéus, contudo, entrou em crise desde 2008. Seu faturamento e arrecadação caem desde então, apesar do enorme aumento no consumo de computadores, no país. Perderam-se — para Manaus ou a Santa Rita do Sapucaí-MG — 24 empresas. As causas do declínio são falta de créditos (principalmente para capital de giro de empresas pequenaas e médias), de incentivos fiscais (disponíveis no Amazonas e em Minas Gerais) e de infra-estrutura urbana (faltam galpões e vias adequados na área do Pólo). Podem ser perfeitamente sanadas com ações do Estado. Os recursos para tanto são reduzidos, se comparados às grandes obras portuárias e industriais que se quer construir. Mas para agir a tempo, o poder público precisa decidir: que tipo de padrão industrial representa o futuro, e está em sintonia com as características naturais e históricas da Costa do Cacau?

VI.

Num aspecto, as organizações da sociedade civil que assinam o estudo-manifesto são especialmente enfáticas. Elas não vêem possibilidade de conciliar o projeto alternativo que construíram para a Costa do Cacau com os planos do complexo siderúrgico-portuário do Porto Sul. Ambos são incompatíveis entre si.

Do ponto de vista ambiental, uma série de atividades previstas no terminal exportador ameaça e afugenta iniciativas ligadas a uma economia do território e do conhecimento. Há riscos específicos e agudos: a destruição de diversos trechos da mata, no centro de uma Reserva da Biosfera e em plena Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada. A desorganização provocada, por uma ponte de 2,5 km, nos ecossistemas que gravitam em torno dos recifes coralinos são os principais.

Os riscos difusos, e ainda mais graves, porque abrangentes. Nos portos, há despejo de resíduos originários da limpeza dos tanques dos navios, esgotos, resíduos líquidos. O terminal privado da Bamin receberá, sozinho, cerca de 300 embarcações por ano e o número poderá se multiplicar, com a eventual construção do terminal estatal de graneleiros e contêineres. Os depósitos de minério, na área do retroporto, serão varridos pelo vento, com o pó se espalhando pela floresta e pelo mar. Nos portos de Tubarão-ES (que recebe o ferro de Minas Gerais) e Itaqui-MA (destino do minério de Carajás), esta ação provocou o surgimento das chamadas “marés vermelhas”, carregadas de minério.

A desmobilização de investimentos turísticos (já relatada pelo presidente da associação hoteleira), logo após o anúncio da construção do porto, sinaliza os prejuízos que poderão ocorrer quando operar. A situação é mais grave porque será atingida a rede de hospedagem mais vasta, equipada e articulada de toda a região: a de Ilhéus. Embora menos expressivos, do ponto de vista financeiro, os prejuízos para a pesca são comparáveis, do ponto de vista social. Ameaçarão 7 mil ocupações. São trabalhadores que terão dificuldades para se adaptar a outras profissões. Vivem em comunidades estratégicas para manutenção de equilíbrio entre o ser humano e a natureza. Sua desestruturação poderia ser trágicas.

De todos os possíveis impactos provocados pelo anúncio do complexo minero-siderúrgico, o mais delicado é o humano. Em sua base, estão expectativas fantasiosas sobre o número de empregos gerados pelas obras — alimentadas por declarações pelo menos imprudentes de autoridades.

Talvez com intuito de reduzir as resistências contra a plataforma de exportação primária, Integrantes do governo baiano e da Bamin têm alardeado, em visitas à Costa do Cacau, a criação de 30 mil postos de trabalho. Mas as afirmações são sempre genéricas. Jamais especificaram em que unidades de produção, localidades ou circunstâncias tais vagas poderão ser encontradas. Estarão incluídos os empregos na mina de Caetité? Na ferrovia? Nas obras idealizadas mas sequer transformadas em projetos, como o aeroporto e o terminal portuário estatal? Incluirão cálculos hipotéticos (e frequentemente superestimados) sobre “empregos indiretos”.

A conta segura que é possível fazer até o momento aponta um número de ocupações muitas vezes inferior ao propagado. A construção do porto, diz a Bamin, ocupará 2 mil operários — reduzidos a meros 160, quando as obras terminarem. A Votorantim e suas parceiras chinesas falam em 460 postos de trabalho na siderúrgica — e em 4,2 mil empregos indiretos. Das duas, uma. Ou o cáculo de 30 mil é uma superestimação marqueteira, ou se pretende construir, na Costa do Cacau, um complexo industrial em dimensões de uma Cubatão baiana — o que destroçaria o ambiente, frustrando por completo as possibilidades de uma nova lógica produtiva.

Seja como for, as declarações produzem efeitos irreversíveis. Alguns cálculos estimam que Ilhéus receberá 150 mil pessoas (65% da população atual) nos próximos anos, atraídas pela propaganda de tantas vagas. Que farão, ao verem-se frustradas? Parece certo que, rejeitados nas áreas restritas aos ricos, engrossarão o contingente dos que são forçados a pressionar morros, mangues e florestas, em busca de espaço vital.

* * *

Embora identifique, em sua própria região, outras vocações, o estudo-manifesto da sociedade civil de Ilhéus não condena a indústria pesada. A atividade humana precisa, cada vez mais, do minério de ferro. Embora seu uso possa ser sensivelmente reduzido, com novos padrões de consumo, seria irrealista e hipócrita condenar a mineração e as siderúrgicas — e continuar servindo-se de geladeiras, automóveis, aeroportos.

Aqui abre-se mais um aspecto profundamente inovador do trabalho da Costa do Cacau. Seus proponentes não estão interessados nem em invabilizar a grande descoberta mineral de Caetité, nem, muito menos, em se opor à Ferrovia de Integração Oeste-Leste. Eles buscam caminhos para viabilizar os dois projetos. A lógica é a da diversidade. Uma nova sociedade pós-industrial não precisa negar a indústria: mas, sim, adequá-la a condições sustentáveis.

O documento de Ilhéus defende explicitamente, “a constituição, no Sul da Bahia, de dois polos geradores de riquezas: o minerossiderúrgico [no interior, em Caetité] e o da indústria de cacau e chocolate, associada ao turismo ambiental”. Para alcançar tal feito, basta uma decisão política. É preciso explorar a enorme jazida de ferro do sertão baiano — tomando, contudo, o cuidado de escoar sua produção por meio de outro porto.

Não se trata de solução quimérica. O estudo-manifesto desce aos detalhes e aponta: em Brumado, ainda no sertão baiano e a cerca de cem quilômetros de Caetité, passa um dos ramais da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) (http://www.transportes.gov.br/bit/ferro/fca/mapa_zoom2.jpg). Pertencente à União, e operado por concessão pela Vale, ele liga Belo Horizonte e o interior de Minas Gerais ao Recôncavo Baiano. Implantado décadas atrás, requer modernização — em todo caso, muito mais barata que construir, do zero, 520 quilômetros de ferrovias. Para que sirva ao ferro de Caetité, basta construir um ramal, ligando esta cidade a Brumado.

A opção pela FCA tem uma vantagem adicional — e decisiva. A ferrovia conecta-se, em seu ponto de chegada no Recôncavo Baiano, com o Porto de Aratu. Lá, não há santuários ambientais por perto. As instalações estão consolidadas há anos. Prestam-se para manejo de múltiplos tipos de carga. Lá, já mantêm grandes armazéns e terminais gigantes do agronegócio, como a ADM, Bunge, Cargill. Lá, há instalações para embarque e desembarque de petróleo e derivados, produtos químicos, automóveis. Lá, já opera o Terminal de Cotegipe, especializado em trigo e grãos oriundos do cerrado – e perfeitamente capaz de embarcar minérios.

Ao derivar para lá, finalmente, a Ferrovia Oeste-Leste converteria-se de fato uma obra de integração, deixando a condição de mera rota para exportações. Porque do Recôncavo, os trens poderiam voltar ao sertão carregados de fertilizantes, combustíveis, outros bens.

Que sentido haveria, então, em insistir no Porto Sul?

VII.

Um Rubicão foi cruzado na Costa do Cacau.

Nas últimas décadas, a consciência ambiental difundiu-se entre amplos setores da sociedade brasileira, tornando-se marcante especialmente entre os mais jovens. Ela sugere examinar criticamente os efeitos de produtos, serviços e intervenções na natureza. É, neste sentido, uma resistência ao poder alienador do capital – que busca impor o interessa individual, o egoísmo e a busca do lucro como únicas lógicas sociais legítimas. Mas resistir é, por natureza, uma postura defensiva. Se bem-sucedida, ela pode, no máximo, afastar (ou adiar) algo indesejável.

Este limite foi rompido, no estudo-manifesto que propõe outra lógica econômica para a região. Organizações da Costa do Cacau estão reivindicando, para a sociedade, não apenas o poder de evitar o pior. Querem construir conscientemente seu destino, levando em conta valores como inclusão social e uma relação não-predatória com a natureza. Na lógica pós-capitalista das redes, que também contagia rapidamente as sociedades, reivindicações assim são naturais. Assume-se responsabilidades pelo futuro coletivo. Não se espera que ele seja obra de um poder externo.

Por ser profunda, a luta relatada nesta reportagem dispensa radicalidades ocas. Não nega o progresso, a indústria, ou a exploração mineral: busca estabelecer a soberania da sociedade sobre estes. Seu símbolo é, neste instante, a redefinição do traçado de uma ferrovia.

* * *

O atual governo da Bahia surgiu há quatro anos. Entre os anseios sociais que impulsionaram a vitória eleitoral de Jacques Wagner em 2008, figura com destaque o repúdio à ultraconcentração de poderes. A campanha da Costa do Cacau oferece agora, a Wagner e às forças políticas que compõem seu governo, uma oportunidade rara.

Apoiar a luta da sociedade civil seria criar um fato novo de repercussão internacional. No Brasil, significaria facilitar um reencontro histórico entre o desenvolvimentismo e o ambientalismo, gerando, a partir da Bahia, diálogos que serão de enorme importância no cenário complexo que se abrirá após as eleições. E esta retomada estaria em sintonia com a construção de uma nova cultura política – expressa em processos de repercussão planetária, como o Fórum Social Mundial.

Na Bahia e em todo o mundo, a sociedade civil continuará construindo novas relações com o poder. As questões que ainda precisam de resposta são: será possível gerar, no episódio emblemático da Costa do Cacau, um exemplo inédito e de amplíssimo impacto? O governo Jacques Wagner será capaz de incorporar a ousadia típicas dos baianos e engajar-se na proposta?