segunda-feira, novembro 29, 2010

Lições da Guerra aos Pés do Redentor

Nós leigos sempre tivemos essa noção de que é possível enfrentar esse poder paralelo, dominar esses caras que vivem esculhambando com a moral de nossa ordem publica e forças militares.
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E afinal, cabe mesmo ao exército buscar suas armas traficadas contra o povo, e basta desse Brasil onde um bando de garotos dominam a ordem pública. Se assim continuar, só resta ver helicopteros derrubados e quarteis. em chamas
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Ora, nós podemos ser um país, e precisamos defendê-lo inteiramente de qualquer ameaça externa ou interna, e combater o mal precisa ser um exercicio inteligente contra a violência. O mérito dessa operação foi o seu caráter "contra a violência", para isso a Marinha construiu seus blindados, para defender as nossas crianças.
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Parecia o 11 de setembro, a TV mudou a programação, e os brasileiros refletiram a violência em dose dupla, misturando ficção e realidade. Mas só que nesse episódio o inimigo é interno, é patrocinado pela pobreza e curripção nacional. Ainda falta muito pra entender o final desse filme, muito trabalho competente e muito amor para que esse momento não vire marketing político, pré-copa, pré-olímpico, moda, brincadeira da ficção.
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Enquanto os cinemas lotam com Tropa de Elite 2 em recorde nacional absoluto, a TV repete o Bope real. Tudo se mistura e o verdadeiro Capitão Nascimento do filme virou estrategista e aparece na TV Globo como comentarista de segurança para narrar o nosso Dia D de combate ao crime, tudo organizado em uma consagrada audiência.
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Parece que tudo deu certo, primeiro porque as forças militares se uniram, o povo gostou do que viu, e foi uma bela lição para os bandidos de todo o Brasil, demonstrando que o poder maior é do bem e é a força pública. Ao mesmo tempo os militares se viram na graça da imprensa, e amigo do povo. Melhor impossível, é como uma guerra da paz, uma sensação de dever cumprido no cinema e na vida real com direito a pipoca com refrigerante, pois o carro e as motos são nossas mas a guerra mesmo é no mundo paralelo que só conhece quem mora lá.
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Está tudo muito bom se continuar assim, sem mortes, porque a maior vitória dessa operação foram as baixas mínimas, foi a superioridades das forças do bem. A morte sempre complica as coisas, trás mais problemas, mais revoltados, afinal esses marginais também são brasileiros e possuem suas famílias nessas periferias.
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O legal é que a ficção ajudou a realidade e a ocupação foi compreendida pela população, como uma força tarefa conjunta, uma rede organizada à luz da fiel vigilância da imprensa. Assim, a coisa saiu como está na constituição, sem torturas, sem excessos, e sobretudo, enaltecendo a inteligência, a competência e o bom censo.
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A cocaína vai continuar pois esse é um outro problema que precisa também de outros remédios de segurança territorial e também da democratização do tratamento de viciados, mas as comunidades carentes dominadas pela violência precisa já, à partir de agora, no Rio de Janeiro e em todas as partes do Brasil. Essa é a grande lição desse teatro de operações militares e jornalísticas, nossas cidades não devem continuar a ser apartheid, precisam ser um território livre, onde se garanta a dignidade e a liberdade de todos os cidadãos, indistintamente.

RODRIGO PIMENTAL QUANDO AINDA ERA "O CAPITÃO NASCIMENTO", ANTES DE DEIXAR O BOPE E VIRAR CONSULTOR, ESCRITOR, PALESTRASTE E COMENTARISTA. ESSA É UMA ENTREVISA HISTÓRICA, QUE DIZ A VERDADE SEM GLAMOUR. IMPERDÍVEL.



RODRIGO PIMENTAL 2 ...



TENETE CORONE PAULO HENRIQUE, COMANDANTE DO BOPE NESSA BEM SUCEDIDA E PARADIGMÁTICA OCUPAÇÃO, AINDA COM FÔLEGO PAR FALAR COM A IMPRENSA.

E PRA QUE NIGUÉM SE ESQUEÇA QUE ISSO É MESMO UMA GUERRA REAL, VEJA OS MOMENTOS NÃO FICCIONAIS ANTERIORES AO QUE VEMOS COMO O SHOW NACIONAL DA VIOLÊNCIA VIVENCIADA, MAS QUE É FEITA DE CARNE, PELE E SANGUE BRASILEIRO.


domingo, novembro 21, 2010

MINHA ÁFRICA DO SUL DA BAHIA

POR PAULO PAIVA
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Ilhéus e Itacaré são importantes referências de negritude e de cultura negra afrobrasileira. E nessa área está surgindo e resurgindo um dos movimentos sociais mais importantes do Sul da Bahia. Diversos eixos de mobilização, organização, desenvolvimento de projetos tem sido perseguidos e aperfeiçoados.
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Parabéns a esses guerreiros com ou sem cor, mas com consciência negra. Parabéns Jorge Rasta da Casa do Boneco de Itacaré, à Fabiana do Projeto Liderança Quilombola do Instituto Floresta Viva e Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, que tem colaborado com o movimento em Itacaré, e que realizou um belíssimo intercâmbio (de ônibus e avião) levando nossas lideranças à Olinda, Campinas, Senhor do Bonfim, etc.
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Parabéns a todas aos mais de 500 comunidades de terreiros, que ainda estão anônimas e sem reconhecimento, ao Jaco Galdino e Dó Santana do Movimento Cultural Arte Mãnha de Caravelas, e de forma toda especial, a todos os integrantes dos movimentos quilombolas dessa Bahia imensa. Parabéns ao povo de Elvercia em Nova Viçosa, esquecido no meio do mar de eucalipto do extremo sul da Bahia, um parabéns muito especial ao Valmir dos Santos da comunidade de Tijuaçú no município de Senhor do Bonfim, e as nossas resistências locais de Ilhéus, como Mãe Ilza e seu filho Marinho do Terreiro de Matamba Tombenci, e parabéns ao presidente Lula, que não foi bem na área ambiental mas nunca será esquecido por ter apoiado uma política para as comunidades tradicionais de índios, pobres, sem terras, pescadores, marisqueiras, caipiras enfim, herdeiros da opressão econômica e territorial histórica.
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Na foto abaixo, Delsuc Gomes dos Santos, uma das grandes lideranças do novo sul da Bahia, com sua mãe, moradores do Quilombo do Fojo na zona rural de Itacaré. Essas são as novas faces do Brasil que resolve enfrentar o dragão das injustiças sociais e dos prejuízos humanos, em busca da verdadeira libertação da sociedade brasileira, quebrando de uma vez as algemas do passado que permanecem infiltrada em nossa cultura de mil tons.
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BRASIL, MAIOR PAÍS NEGRO DO PLANETA COMEMORA SEU 19 DE NOVEMBRO - DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA. O SUL DA BAHIA TEM MUITO DA HISTÓRIA DESSES POVOS FORMADORES DO BRASIL E DA NOSSA CULTURA. ESSA GENTE QUE NÃO É PORTUGUESA, NÃO É ITALIANA, NÃO É SUÍÇA, NÃO É LIBANESA, E QUE NÃO SABEMOS DISTINGUIR QUEM SÃO, DE QUE PAÍSES VIERAM. E DENTRO DESSE IMENSO ESQUECIMENTO, COLOCAMO-NOS DIANTE DE UMA IMENSA TAREFA: REESCREVER A NOSSA HISTÓRIA E MUDAR O NOSSO DESTINO. ENQUANTO ISSO NOS RESTA O CONSOLO DA COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA DE QUE SOMOS TODOS NEGROS TAMBÉM.
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CLARO QUE NEM TODOS TÊM ESSE DOM NO ESPÍRITO DE ENTENDER O IMENSA RIQUEZA QUE VEIO DESSE CONTINENTE DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO, E COMO NÃO SABEMOS DIREITO A HISTÓRIA DE CADA PEDACINHO DESSE BRASIL DA MEGADIVERSIDADE CULTURAL, CHAMAMOS NOSSOS ANTEPASSADOS DE COR APENAS POR NEGROS, AFRICANOS, ENQUANTO AGENTE NÃO RESGATA UM MÍNIMO DE NÓS MESMOS, DA NEGRITUDE QUE NOS PARIU, NOSSOS TRAÇOS E NOSSA ORIGEM.
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O sul da Bahia tem um papel importante no resgate da história do Brasil, mas falta muito exercicio de memória para resgatarmos um mínimo do imenso patrimônio imaterial naufragado no esquecimento. Mesmo assim, como Cristãos saindo das catacumbas, a nossa gente humilde está encontrando um caminho político, frestas de luz ao diálogo, esperança de redenção. O movimento quilombola tem um significado socio-territorial e histórico-cultural de resgate de direitos e reconhecimento de quem mais trabalhou por esse país. E é buscando as origens da opressão que nós esperamos ver essas comunidades saírem definitivamente do anonimato, e da dependência.
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Ilhéus, Itacaré, Maraú, Canavieiras, Caravelas, o cacau, o dendê, tudo nesta faixa de litoral é muito África. Temos registrado em nossos trabalhos como jornalista e de forma muito especial, com os recursos do audiovisual, esse imenso campo de redescoberta da identidade nacional através da ponte azul do mar Brasil-África.

Dia 19 é um dia de uma reflexão profunda ... A grande liderança quilombola, Valmir dos Santos da comunidade de Tijuaçú (Senhor do Bonfim) diz em um de nossos documentários: "a realidade é que nossa vida é uma vida paltada em dificuldades, desde que fomos trazidos de nosso país de origem para cá, que nós temos passado por todo tipo de dificuldade".
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Essa semana, comunidades e movimentos negros festejam e reforçam os compromissos com uma política de governo especial para o negro, com uma conscientização social mobilizada, com o combate a pobreza pela inclusão total aos benefícios da civilização. Por isso, hoje é dia de parabéns para todos que estão trabalhando pra reler a África daqui, aqui. Parabéns a Fundação Palmares, ao governo pela política Quilombola. Na foto ao lado, Mãe Ilza, herdeira de uns dos terreiros mais antigos de Ilhéus e da Bahia.
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Eu tenho aprendido muito com esse movimento social de combate a ignorância e ao esquecimento, e fico de olho na transformação definitiva "do olhar da sociedade brasileira", que possa se voltar para o enxergar o que vê, se curando da cegueira maldita que é a verdadeira ignorância social, um presuposto fundamental para o Brasil ser desenvolvido, um país Classe A no terceiro mundo. Tudo ainda é pouco para isso, anda devagar e já demorou demais, mas se ainda existem interesses que remam contra a pressa dos injustiçados, iremos longe, e iremos chegar mesmo assim, logo ali, transformados pela solidariedade, em um país escola da humanidade.

terça-feira, novembro 16, 2010

Diálogos da Sustentabilidade (10): Dilma e a natureza brasileira merecem descanço

Dilma e a natureza brasileira merecem descanso
Por Rui Barbosa da Rocha*

Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, é diretor do Instituto Floresta Viva, membro da Rede Sul da Bahia Justo e Sustentável e empreendedor social da Ashoka desde 2008.

Dotada de extraordinária biodiversidade e com um dos mirantes mais bonitos do planeta, a região compõe o Corredor Ecológico mais significativo da Mata Atlântica, além de ser um pólo emergente de ecoturismo no Nordeste, recebendo centenas de milhares de turistas nacionais e estrangeiros, todos os anos, como foi a Dilma este ano, e Sarkozy e Carla Bruni em dezembro de 2008.
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A história é conhecida por todos: os ciclos do pau brasil e da cana de açúcar começaram na Capitania de Ilhéus, litoral Sul da Bahia. Depois vieram os desmatamentos para as pastagens, roçados de mandioca, a exploração do garimpo nos sertões, a extração de madeiras, a caça indiscriminada, tudo junto com a escravidão e depois o trabalho mal remunerado, que explicam muito do atual quadro social e ambiental no Brasil.

Passaram-se alguns séculos e o país continuou atrasado em relação ao mundo ocidental, que marchou movido pela revolução científica e industrial. Nós fechamos o século XIX como um imenso produtor de matérias primas – café, cacau, borracha e cana de açúcar, com muita miséria e latifúndios pelo país. Assim, adotamos no século XX uma ordem imperativa de industrialização e urbanização acelerada. Crescemos durante décadas a taxas de 8 a 10 % ao ano, até 1980, feito somente conquistado pela China dos últimos anos.

Este fenômeno só ampliou em doses cavalares os nossos problemas sociais e ambientais, com o crescimento desordenado de cidades e a ocupação irregular de matas ciliares e encostas de morros. Riachos e rios converteram-se em esgotos a céu aberto, como o Tietê, em São Paulo, ou o Rio Vermelho, em Salvador. Favelas passaram a ser uma marca de todas as nossas cidades médias e grandes. Em algumas cidades maiores, a poluição atmosférica mata centenas de pessoas todos os anos. Os brasileiros, mesmo trabalhando mais do que muitos povos da terra, herdaram ambientes insalubres para viver, sem vida cultural e com escolas marcadas pela violência e pouco aprendizado. A Mata Atlântica, uma das maiores e mais ricas florestas tropicais do mundo, quase acabou.

Mesmo com este legado, o início do século XXI repete a pegada anterior. O projeto mais importante do governo brasileiro chama-se PAC, ou programa de aceleração do crescimento. No governo FHC, o nome era parecido e a agenda idem – Avança Brasil. A impressão que fica é que este tipo de mensagem publicitária já existia desde o ciclo do pau brasil – afinal, os índios eram muito lentos no trabalho de cortar as árvores e empilhá-las no litoral, e precisavam de mensagens encorajadoras para produzir e exportar nossas riquezas.

Até hoje os índios levam a fama de preguiçosos, assim como costumamos chamar os indolentes nordestinos e especialmente os baianos. A substituição da natureza original brasileira por pastos, concreto e asfalto são signos muito fortes que norteiam os investimentos públicos, inclusive antes das eleições – não é a toa que os assuntos do dia envolvem a revisão do código florestal e as grandes obras para a Copa e Olimpiadas, além de portos e ferrovias para as velhas e novas commodities.

Uma natureza exausta, consumida por séculos de exploração e degradação, se soma ao desgaste do brasileiro comum – a recente comida na mesa e a televisão na sala são bons motivos para comemorar, mas o luxo de termos uma natureza preservada, com rios limpos, florestas e peixes abundantes, fica cada vez mais comprometido pela imperiosa necessidade do crescimento econômico.

O final deste ano é marcado pela eleição de Dilma, a primeira mulher a ocupar a presidência da república no Brasil. Ela, exausta por meses de campanha eleitoral e acusações de todos os tipos, venceu a eleição com a marca de ser a mãe do PAC. Nada mais emblemático. E, para completar o surrealismo brasileiro, ela escolheu a praia do Patizeiro, em Itacaré, exatamente no Sul da Bahia, para descansar. Este local fica ao lado da praia do Norte, em Ilhéus, vizinho da Lagoa Encantada e do Parque Estadual da Serra do Conduru. Dotada de extraordinária biodiversidade e com um dos mirantes mais bonitos do planeta, a região compõe o Corredor Ecológico mais significativo da Mata Atlântica, além de ser um pólo emergente de ecoturismo no Nordeste, recebendo centenas de milhares de turistas nacionais e estrangeiros, todos os anos, como foi a Dilma este ano, e Sarkozy e Carla Bruni em dezembro de 2008. Sim, um dos últimos locais do litoral brasileiro que possui florestas preservadas e rios limpos, como o Rio Tijuípe, que ali deságua puro no Oceano Atlântico. Dilma finalmente descansou, ao menos por quatro dias. Do alto do morro em que estava hospedada viu o mar azul da Bahia, florestas, rios e cachoeiras, e muitos pássaros que cantam dia e noite, entre as árvores e palmeiras. Um descanso merecido.

A contradição é que o local escolhido para o descanso de Dilma é exatamente aonde o governo federal pretende construir um complexo logístico para escoar minério de ferro, assunto precioso para a BAMIN, empresa da Eurasian Natural Resources, do Cazaquistão – a ENRC. Uma mina em Caetité, com vida útil de 15 anos, viabilizaria este projeto de porto e de ferrovia até Ilhéus.

Jaques Wagner, antigo sindicalista do Pólo Petroquímico de Camaçari e ex deputado federal que aprovou a lei que hoje protege a Mata Atlântica, foi o maior cabo eleitoral de Dilma. O atual governador baiano adotou este projeto do PAC como a mais importante obra de seu governo– em nome da geração de empregos e renda para o seu estado miserável, graças a uma parceria público e privada que ‘alavancará’ a economia baiana, integrando-a a outras regiões mais ‘dinâmicas’ da Bahia e do Brasil, como o centro oeste, o eldorado da soja, o novo pau Brasil da economia nacional.

Por um capricho do destino, a mãe do PAC precisou repousar exatamente aqui , recuperando as forças para exercer a presidência a partir de 2011 – avançando com a agenda de grandes projetos de infra-estrutura, como o Porto Sul , na Lagoa Encantada, ou ... refletir, como o mundo inteiro está a fazer, sobre um outro caminho para o bem estar do país e do planeta.

É possível sonhar em Dilma como a esperança de um Brasil mais doce, mais sábio, mais cuidadoso com a natureza e as vocações culturais e criativas do seu povo? Tom Jobim, nosso mais famoso músico, em uma viagem aos Estados Unidos, contou que aprendeu a arte da música com os pássaros de sua terra. Esperemos que a nova presidente tenha descoberto com eles outro jeito de governar o Brasil, oferecendo para si e para a natureza um ritmo aonde a paz e o bem estar sejam o tom da vida.

Diálogos da Sustentabilidade (9): Campanha presidencial deixou de lado potencial ecológico do país

Campanha presidencial deixou de lado potencial ecológico do país
por Nádia Pontes - Revisão de Roselaine Wandscheer

A proteção climática recebe mais atenção fora do que dentro do Brasil. Embora nação seja vista como promessa de liderança verde, com exceção de Marina Silva, candidatos à presidência dão pouca importância ao assunto.

Sob a perspectiva estrangeira, o Brasil recebe destaque por sua forte atuação em favor da proteção ambiental. A imprensa internacional lembra com frequência o punho de ferro do presidente Lula ao defender, diante da plateia incrédula na cúpula do clima de Copenhague, a adoção de metas de redução de emissões.

"O presidente do Brasil naquela ocasião contribuiu para mudar o resultado das negociações climáticas. Foi depois de Lula que os Estados Unidos, China e Japão começaram a falar em redução também", cita Federico Foders, pesquisador da Universidade de Colônia.

Todo esse potencial, no entanto, não encabeça as pautas dos candidatos com chance de ganhar a presidência do país. José Serra faz chegar ao público suas propostas ligadas a economia e saúde. Dilma Rousseff bate na tecla do continuísmo e programas sociais bem-sucedidos do governo Lula. "E Marina Silva é vista como a candidata monotemática pelo eleitorado brasileiro, com foco em políticas ambientais e climáticas", analisa Daniel Flemes, pesquisador especializado em política brasileira, do Instituto Alemão para Estudos Globais e Regionais (Giga).

Já Roberto Guimarães, pesquisador em política ambiental da Fundação Getúlio Vargas, afirma categoricamente: "Meio ambiente é um tema que não existe na agenda dos candidatos. Marina é a única que discute o assunto sob o aspecto do desenvolvimento sustentável. Ela deu muito enfoque a meio ambiente no começo da campanha, mas há duas semanas ela mudou o discurso, de maneira a que as pessoas entendam mais o assunto. E foi então que ela começou a crescer nas pesquisas".

Elemento não decisivo

Ainda na década de 1970, Roberto Guimarães passou a investigar as relações entre meio ambiente e política. Sobre a posição internacional progressista em questões ambientais do governo Lula, que gera esse prestígio no exterior, Guimarães pontua: "Essa é, talvez, a única coisa que Lula não pode dizer que seja algo que aconteceu ‘pela primeira vez na história do país'. Porque o Brasil, desde a época da ditadura, sempre é considerado de vanguarda quando se discute o problema internacionalmente, só se esquecem de aplicar dentro do país o que falam lá fora".

Em 1972, quando se falou em internacionalização da Amazônia, o governo ditatorial não fez qualquer oposição, não defendeu o território brasileiro. Argumentou apenas que, já que a floresta era considerada um patrimônio internacional, o conhecimento científico também teria esse mérito e que, portanto, todas as patentes mundiais deveriam ser quebradas para que o conhecimento fosse internacionalizado. O mundo calou-se e não se falou mais sobre a Amazônia como território compartilhado, lembra Guimarães, citando o histórico progressismo internacional brasileiro para questões ligadas ao meio ambiente.

Da Alemanha, Daniel Flemes analisa que a ex-ministra do Meio Ambiente deu um impulso tardio significativo à administração Lula. "Foi somente depois que Marina Silva deixou o ministério que o governo do Partido dos Trabalhadores reconheceu a importância da discussão climática e tentou, com certo sucesso, promover o Brasil como potência climática no cenário mundial."

Heranças incertas

O posicionamento brasileiro na área de meio ambiente também rende manchetes internacionais não tão positivas. E dois temas especialmente polêmicos do governo Lula serão herdados pelo próximo presidente: a hidrelétrica de Belo Monte e a usina nuclear Angra 3.

"Se Dilma vencer as eleições, ela não só vai herdar a questão de Belo Monte, ela também vai tocar o projeto adiante. O escândalo está no fato de que essa é uma obra totalmente financiada pelo governo. Não é viável nem em termos de mercado. Além de todas as outras questões de impacto ambiental e social", analisa Roberto Guimarães.

O edital de montagem de Angra, conforme noticiou a Eletronuclear nesta quarta-feira (29/09), foi adiado e agora é esperado para novembro, quando o Brasil já souber quem será seu novo presidente.

Efeito pós-eleição

Para Daniel Flemes, embora o tema proteção ambiental seja mencionado de forma breve por José Serra e Dilma Rousseff, a maioria dos eleitores não pondera o assunto de forma crucial: "Clima e meio ambiente não são tão importantes como problemas sociais e econômicos, saúde e educação. Portanto, as questões ligadas a meio ambiente não terão um impacto decisivo nas eleições".

Já o Roberto Guimarães vê o avanço de Marina Silva nas pesquisas como um indicativo de que a população brasileira possa estar mais atenta à discussão. "Acredito que a campanha de Marina esteja influenciando, sim, a população, e que as ideias pregadas por ela vão causar um impacto depois da eleição. Os brasileiros irão exigir mais do governo nesse assunto."

Diálogos da Sustentabilidade (8): A Costa do Cacau em busca de um destino

A Costa do Cacau em busca de um destinopor Antônio Martins, do Outras Palavras
I.

Selva, Oceano, Cultura e História parecem ter se encontrado para tramar, no sul da Bahia, uma celebração dionisíaca de fertilidade e saberes. Aqui está situada a Costa do Cacau. Abre-se a 450 quilômetros de Salvador (pela BR-101), em Itacaré, onde deságua o Rio de Contas e o viajante encontra, além das praias ornadas por coqueiros, falésias que permitem à floresta um raro contato com o mar. Estende-se, sempre rumo ao sul e rente ao litoral, por 200 quilômetros. As praias são cortadas por montanhas, rios e cachoeiras. Mar adentro, fervilha a maior área de recifes coralinos de todo o Atlântico Sul. Oferece abrigo e alimento a uma rica fauna marinha, que inclui cerca de vinte espécies de peixes endêmicas (só existentes na região) e ocupa mais de 7 mil pescadores artesanais. Este cenário de espetáculos fecha-se em Canavieiras, de casario colorido, ilhas, manguezais, caranguejos e pesca oceânica de fama mundial.

Mas embrenha-se também para o interior, menos turístico e talvez ainda mais rico. Concentram-se no sul da Bahia 80% do pouco que foi preservado da Floresta Atlântica, no Nordeste. Localizam-se na Costa do Cacau, entre outros tesouros, o trecho final do legendário rio Jequitinhonha; o Ecoparque do Una, um dos santuários do mico-leão de cabeça dourada e abrigo de outras espécies ameaçadas, como o macaco-prego-de-peito-amarelo e a preguiça-de-coleira; a Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa Encantada, com suas ilhas flutuantes, lendas e cascatas; o Parque Estadual da Serra do Conduru, apontado em estudo de 2004 como a área de maior biodiversidade vegetal por hectare do país.

Ao centro da Costa, está uma de suas “capitais”, Ilhéus, de 220 mil habitantes (a outra é Itabuna, mais ao interior, com população equivalente). Introduzida na literatura pelos romances de Jorge Amado, conserva ainda o Bar Vesúvio, o cabaré Bataclan, o porto que fez a riqueza da região. Mas sua história vem de muito antes dos tempos do cacau, dos coronéis, de Gabriela e Nassib. Fundada em 1534, a vila protagonizou os principais ciclos econômicos que marcaram a Colônia. Ao pau-brasil, extraído do litoral baiano, somou-se, já no século XVI, a cana-de-açúcar (o Engenho de Santana, criado por Mem de Sá, data de 1573). A fruta que produz o chocolate, e terminou dando nome à região, foi introduzida no país em 1746. Uma pequena roça surgiria na histórica Canavieiras, seis anos depois — e os cultivos comerciais, nos anos 1890, quando chegaram os imigrantes alemães.

Originário da Amazônia, o cacaueiro encontrou na região um clima propício e, em especial, uma forma de cultivo inovadora: a “cabruca”. Caprichosa, a planta — uma árvore que atinge, no máximo, 6 metros — necessita de sombra, para se desenvolver. Em outras regiões, o sombreamento é fornecido por um segundo cultivo, de espécie mais alta. No sul da Bahia, não. Os cacaueiros são plantados, há mais de dois séculos, em meio à Mata Atlântica. Esta técnica permitiu que se preservassem, além dos trechos onde a floresta permanece intocada, extensas áreas de semipreservação. Conservam parte importante da flora e fauna originais. São sinais precursores de uma possível agricultura não-devastadora, numa época em que o ser humano busca novas formas de relação com a natureza.

A Costa do Cacau abriga, ainda, os remanescentes de uma das principais nações indígenas existentes no Brasil em 1500: os tupinambás. Conhecidos pela resistência que impuseram ao ocupante europeu e pela prática da antropofagia, espalhados por diversos pontos do litoral, desapareceram quase por completo — em parte, devido à própria bravura. Porém, permanecem entre Canavieiras e Ilhéus. Reúnem-se em doze comunidades. São predominantes na vila de Olivença, distrito 15 quilômetros ao sul de Ilhéus. São parte do renascimento e revalorização das culturas indígenas, tendência marcante no país na década atual. Reivindicam, desde 2003, a demarcação de um território de 47 mil hectares. Têm, desde 2009, apoio da Funai.

II.

Como em tantas regiões do Brasil, este cenário de riquezas naturais e humanas é contrafeito, em parte, pelo latifúndio e monocultura. Os ciclos econômicos sucederam-se, mas a estrutura social permaneceu intacta por quatro séculos. A descoberta do valor do cacau provocou, entre as décadas de 1890 e 1930, uma onda de concentração de terras (muitas vezes violenta), polarização social, reprodução das relações Casa Grande & Senzala. Os fazendeiros do início do século passado construíram um porto próprio e julgaram-se integrados à Europa. No cais em que embarcavam, sem beneficiamento, os fardos com o fruto dourado, eram recebidos os artistas, as dançarinas, os aventureiros, os pianos-de-cauda, as louças e cristais. A cidade teve teatro, hotéis e armazéns de luxo, cassinos e cabarés. O cardápio dos banquetes chegou a ser impresso em francês. Mas a fruição era para muito poucos. Não se tratava de construir um país, e sim de explorar um recurso. Por isso, à exceção da reduzida elite, a sociedade eram braços: para plantar e colher o cacau; para carregar e descarregar os navios; para levar os pianos, mobílias e baixelas aos casarões ou às fazendas.

Commodities como o cacau eram porém, no cenário econômico do século passado, abundantes e, como tendência, baratas. Quando as cotações de um produto qualquer viviam uma alta momentânea, a indústria de transformação — à época, pólo principal da acumulação capitalista — estimulava, naturalmente, a emergência de outras regiões produtoras. Em seu esplendor, o sul baiano, sozinho, fez do Brasil o segundo maior produtor mundial de cacau. Esta posição declinou constantemente nas décadas seguintes, diante da concorrência de produtores africanos e centro-americanos. A multiplicação das fontes de abastecimento derrubou os preços e encerrou o fausto.

O drama transformou-se em tragédia no final dos anos 1980. O cacau sul-americano foi atingido por uma praga devastadora. Um fungo (M.Perniciosa) provoca a ramificação irregular da árvore (em forma de “vassouras-de-bruxa”, nome popular da doença) e inibe o nascimento de frutos. Sem que haja, ainda, forma de combatê-la adequadamente (cientistas brasileiros buscam o sequenciamento genético do M.Perniciosa), a vassoura-de-bruxa devastou os cacauais do sul da Bahia. A produção nacional despencou — em alguns anos, para 40% da registrada em 1989. O país oscila entre o quinto e o sétimo posto, no ranking da produção mundial, respondendo por apenas 4% do total colhido. Em alguns períodos, a produção sequer é suficiente para atender à indústria nacional, exigindo importações.

O peso da crise recaiu principalmente sobre os braços humanos da lavoura. O cacau, que exige mão-de-obra intensiva, dispensou metade dos 400 mil trabalhadores ocupados em seu cultivo. Expulsos das plantações, migraram em massa para cidades com infra-estrutura já insuficiente. A pressão sobre a natureza foi inevitável. Hoje, 72% da população de Ilhéus (ou 160 mil pessoas) é obrigada a viver em áreas irregulares — morros, mangues ou beiras de rio. Surgiram e se espalharam, pelas cidades da região, bairros novos e assustadores como o Teotônio Vilela, com 40 mil habitantes e sem infra-estrutura alguma. Milhares de pessoas sem ocupação regular são pressionadas a sobreviver do que podem — e uma das alternativas mais fáceis é o extrativismo predatório, em áreas da Mata Atlântica e da própria APA da Lagoa Encantada.

Os números escancaram a pobreza. Em 2007, 47% dos moradores de Ilhéus viviam graças ao Bolsa-família. Em toda a região da Costa do Cacau, atividade econômica e arrecadação de impostos declinaram tanto que 86% da receita dos municípios são provenientes de transferências dos governos federal e baiano. Este empobrecimento continuado abriria caminho, no início do século 21, para uma busca de alternativas econômicas — quaisquer que fossem elas.

III.

Cerca de 500 quilômetros a oeste de Ilhéus, na transição entre o cerrado e a catinga e pouco ao norte da divisa com Minas Gerais, está a hoje pacata Caetité, de 48 mil habitantes. Teve um passado glorioso. Participou ativamente da luta pela independência da Bahia (conquistada em guerra contra os portugueses). Foi a primeira cidade do interior do Estado a estabelecer rede de energia elétrica e Escola Normal. Elegeu o primeiro governador baiano (em 1894). É terra natal de Anísio Teixeira, o grande educador brasileiro da primeira metade do século 20 (lá também nasceu o cantor Waldick Soriano…).

Mas estagnou nos últimos cem anos, como a maior parte do sertão. A economia baseia-se na pecuária extensiva, em algumas tecelagens e cerâmicas. Embora muito rico, o subsolo rendeu pouco à cidade, até hoje. A mineração de urânio, manejada pelas Indústras Nucleares do Brasil (INB), emprega pouco mais de cem pessoas, e já provocou desalojamentos e contaminações. Depósitos de manganês e ametista, também presentes, têm pouco valor comercial. Mas desde 2005, a descoberta de um aventureiro alvoroça a cidade, e mobiliza energias do governo da Bahia.

Nesse ano, o geólogo e engenheiro de minas João Cavalcanti anunciou ter localizado, em Caetité, o que pode ser a terceira maior jazida de ferro do Brasil — segundo maior produtor mundial do minério. Milionário e bon-vivant, com pretensões na política (no início do ano postulou ser indicado vice-governador da Bahia, na chapa de Geddel Vieira Lima-PMDB; atualmente, apoia a reeleição de Jacques Wagner-PT), Cavalcanti nasceu pobre em Caculé, vizinha a Caetité. Enriqueceu ao longo de uma sucessão de descobertas e negócios ligados à mineração (isso ocorre nos ultimos cinco anos, especialmente após a criação e venda da BAMIN). É sócio de Daniel Dantas (em projetos de mineração no Piauí – em todo o Brasil, através da GME 4). Conta que se impressionou pela riqueza mineral do sertão sul baiano no final dos anos 1950, quando obsevava, ainda menino, o burburinho em torno das minas de manganês e urânio, “visitadas por geólogos alemães, espanhóis e de outros países”: “Eu observava aqueles caras no bar, de martelo na cintura e o jipão sem capota parado, o mulherio em cima, cerveja sobre a mesa e dizia: ‘isso que é vida’.”

O imaginativo João Cavalcanti parece ter descoberto riqueza sólida no sertão. As jazidas seriam suficiente para extrair 32 milhões de toneladas por ano, durante cerca de duas décadas. É mais de 10% do total extraído pela Vale, a maior produtora e exportadora mundial do minério. Volume suficiente, segundo estudos da Fundação Vanzolini, para uma receita de 7,5 bilhões de dólares ao ano — superior ao PIB do Haiti ou da Nicarágua.

O calibre dos investimentos necessários para viabilizar a operação é superior à bala que Cavalcanti tem na agulha. Já no final de 2005, ele vendeu 70% da BML, empresa que constitiui inicialmente, para a Zamin Ferrous, do investidor indiano Pramod Agarwal. Em 2007, desfez-se do restante da empresa. Em 2008, a Zamin repassou 50% da companhia — já então denominada Bahia Mineração, ou Bamin, para a Eurasian Natural Resource Corporation (ENRC), que tem sede no Casaquistão, é a quinta maior mineradora da Ásia e sexta maior exportadora de ferro do mundo. A atual Bamin, portanto, é um investimento indiano-casaque. Sua sede, contudo, está em Salvador. Seus escritórios, em Ilhéus, Caetité e Belo Horizonte, além da capital baiana. Seu staff é constituído de executivos e geólogos brasileiros, encarregados de viabilizar tecnicamente a extração do minério, garantir o licenciamento ambiental e — aspecto fundamental — batalhar junto ao Estado as condições de infraestrutura e logística indispensáveis para viabilizar o empreendimento. Aqui, volta à cena a Costa do Cacau.

IV.

Para materializar-se, a fulgurante riqueza que a Bamin possui em Caetité precisa deixar o sertão baiano. Lá, as montanhas de ferro são apenas parte da paisagem. É nas rotas do comércio internacional que se transformam em dinheiro. A necessidade de infra-estrutura obriga a empresa a entender-se com o Estado. Logo depois de adquirirem a Bamin, os controladores da Zamin Ferrous iniciaram contatos com o governo da Bahia. Seu plano inicial era abrir um mineroduto até o litoral. Em Caetité, a 860 metros de altitude, o ferro será britado da rocha, moído, separado de impurezas e transformado em pellets pelotas-pó de 0,15 milímetros de diâmetro. Por meio de um duto (e impulsionadas por uso intensivo de água), estas atravessariam sertão e serra do Mar, até encontrar o litoral, onde seria construído um porto de exportação. Por estar praticamente na mesma latitude e ser um centro urbano consolidado, Ilhéus era a escolha mais favorável à empresa.

Em março de 2007, o indiano Pramod Agarwal veio ao Brasil e apresentou seus projetos ao governador baiano, Jacques Wagner. Mas, informadas sobre a riqueza ferrífera de Caetité, as autoridades vislumbraram algo maior. Ilhéus merecia mais que um porto novo e a boca de um minerioduto. Seria o ponto de chegada de uma das obras viárias mais importantes do PAC: a Ferrovia de integração Oeste-Leste. Na lógica do governo, é a forma de resgatar a cidade esplendorosa dos anos 1930, livrando-a da estagnação e empobrecimento atuais.

Ainda pouco conhecida fora das regiões em que será construída, a Oeste-Leste é um projeto ambicioso. Nasce em Figueirópolis, interior de Tocantins. Entregue à estatal ferroviária Valec, pretende ligar a nova fronteira agrícola do país ao mar, sem repetir os vícios do transporte rodoviário. Entronca-se, ainda em Tocantins, com a ferrovia Norte-Sul, que, retomada em 2007, deverá unir Belém (PA) ao Oeste de São Paulo, em 2012. Juntas, ambas podem ser o embrião de uma nova malha ferroviária no Brasil.

As ideias do governo Wagner para Ilhéus estão em franca expansão — a ponto de terem desencadeado, na cidade, mais um episódio de algo que se incorporou ao cenário político do país: a polêmica entre a esquerda desenvolvimentista e a ambientalista. Em abril de 2008, um decreto destinou, ao complexo de exportação de minérios privado, a ser construído pela Bamin, uma área de 1.770 hectares. Está situada vinte quilômetros a Norte do núcleo urbano de Ilhéus: na chamada Ponta da Tulha, junto à foz do rio Almada. No interior da Reserva de Biosfera da Mata Atlântica e em plena Área de Preservação Ambiental (APA) da Lagoa Encantada. Deverá abrigar, segundo os planos oficiais, o chamado “retroporto”: um vasto pátio para descarregamento e empilhamento de minério de ferro da empresa, instalações industriais e de logística. O abastecimento dos navios será feito em mar aberto. Por isso partirá do retroporto, oceano adentro, uma ponte de 2,5 quilômetros, suficientemente larga para comportar a esteira de minérios e o tráfego de caminhões.

Os planos vão além, embora ainda imprecisos. Fala-se em erguer, ao lado do porto privado da Bamin, um terminal estatal – dois piers de atracação para comércio de grãos (as imensas safras do Centro-Oeste?) e até contêineres. Especula-se sobre uma siderúrgica, em área adjacente; em junho, a Sulamericana de Metais, um consórcio entre a Votorantim e as chinesas Honbridge Holdings e Xin Wen Mining Group anunciou investimentos de 2 bilhões de reais no local. Haveria, ainda, um aeroporto internacional, obra que exige área muito superior à prevista no decreto e vasta estrutura viária. À soma de todas estas instalações, que por enquanto totaliza 2,6 mil hectares, deu-se o nome de Porto Sul.

A polêmica está acesa. Em 25 de abril de 2010, um conjunto de organizações da sociedade civil promoveu o “abraço da Lagoa Encantada” e lançou um manifesto em que pede o não-licenciamento, pelo Ibama, do Porto Sul e do traçado atualmente previsto para a Ferrovia Oeste-Leste — além de reivindicar que tais obras sejam excluídas do PAC e não recebam recursos do BNDES. O Procurador da República em Ilhéus, Eduardo El Hage, protocolou ação civil pública contra o projeto âncora do complexo, o terminal privativo da Bamin). Em Brasília, a Câmara dos Deputados realizou, em 17 de junho, uma primeira audiência pública sobre o tema — tendo sido criticadas as ausências da Bamin e do governo baiano. Na luta para frear as obras, há inclusive setores empresariais — em especial, a Associação de Turismo de Ilhéus, cujo presidente, Luigi Massa, afirma: “O simples anúncio da construção de porto de minério suspendeu empreendimentos importantes”.

Em compensação, há, em Ilhéus, partidários do complexo exportador entre a sociedade civil. Parte dos militantes locais de partidos como o PT, PCdoB e PSB apoia as obras. Segundo eles, a luta contra a Bamin é elitista e hipócrita. Impedir a construção do porto, siderúrgica e aeroporto atenderia apenas ao capricho dos mais ricos e do que restou da oligarquia do cacau. O dano causado pelas obras seria minimizado pelo emprego de tecnologia avançada, em sua construção. Muito mais devastador, para a natureza (além de socialmente ultrajante) seria manter boa parte da população em estado o empobrecimento – e empurrá-la para a ocupação de áreas de proteção ambiental.

Até o início do segundo semestre, a disputa pelo futuro da Costa do Cacau parecia seguir enredo semelhante ao que vem se repetindo no Brasil, desde que o governo Lula encerrou duas décadas de depressão dos investimentos públicos e iniciou uma série de grandes projetos de infra-estrutura. O Estado propõe obra que tem repercussão social vasta e gera empregos — mas reproduz um padrão de “desenvolvimento”, associado a desigualdade, consumismo e agressões à natureza. Amplos setores da sociedade civil apontam os riscos ambientais e frisam os benefícios ao grande capital. Mas falta o passo seguinte: a alternativa. Por isso a obra é, ao final, tocada: ser excluido do modelo atual é ainda pior do que viver sob sua lógica. Ampliam-se os desencontros e desconfianças entre a esquerda desenvolvimentista e a ambientalista. Sobra a impressão amarga de que o Brasil ainda é pobre e desigual demais para ousar projetos mais refinados de desenvolvimento.

V

A partir de setembro, começou a despontar, na Costa do Cacau, uma esperança de superar este padrão. Depois de terem lançado, meses antes, um manifesto contra o complexo minero-exportador, cerca de cem movimentos e organizações sociais e ONGs apoiaram a produção de um vasto estudo sobre o futuro da região. Intitula-se “Ecodesenvolvimento e visão de futuro: o sul da Bahia muito além do Porto Sul”.

Ao longo de quase cinquenta páginas, redigidas com elegância e complementadas por imagens, gráficos e tabelas, a sociedade civil da Costa do Cacau apresenta um projeto alternativo para a região. Inspirado no conceito de sócioecodesenvolvimento, proposto pelo economista Ignacy Sachs, o documento fundamenta-se, do ponto de vista teórico, nas mudanças no paradigma de “progresso”, ocorridas nas últimas décadas. Argumenta que a produção de riquezas, antes fortemente ancorada na indústria, tornou-se muito mais complexa. A mecanização e informatização liberaram braços e interesses para outros setores. Uma nova economia baseia-se em produtos e serviços ligados aos saberes, cultura, comunicação, afetos e território. Valoriza atividades “marcadas por criatividade, descentralidade, horizontalidade, diversidade, qualidade dos produtos e da relação com a natureza”, frisa o estudo-manifesto (estudo).

Se tal constatação é válida em toda a parte, prossegue o texto, em poucos pontos do Brasil ela é tão potente quanto na Costa do Cacau. Por seu ambiente natural e história, a região está vocacionada para turismo qualificado; manufatura e agricultura associadas à cultura local; ciência, educação e informática. Transpor para lá a lógica da industrialização pesada e dos grandes projetos de logística seria, nos séculos passados, uma violência trivial. Fazer o mesmo em 2010 equivaleria a um anacronismo estulto.

O mais interessante vem a seguir. O documento é um sinal de nova cultura política. Revela a que ponto as comunidades podem levar o planejamento de seu futuro coletivo, e assumir papéis que antes eram considerados exclusivos do Estado. Ainda que estruturantes, as considerações teóricas são apenas a introdução ao texto. As organizações que o assinam não querem manter a Costa do Cacau no estado de letargia atual — nem limitar-se ao discurso ideológico de outra produção possível. Buscam o prazer de construí-la. Por isso, avançam, no corpo do estudo-manifesto, para um exame concreto e muito pragmático sobre como desenvolver, em sua região, uma economia de novo tipo. O trabalho identifica com clareza setores que poderiam puxar a conversão. São cinco: Cacau e Chocolate; Turismo ambiental e histórico; Educação, Ciência e Conhecimento; Pesca; Informática.

Em cada uma das atividades, busca-se o detalhe. Que falta para realizar o potencial da região? Quantas pessoas podem ser ocupadas? Que novidades tecnológicas é possível incorporar? Como estabelecer sinergias entre os setores? A abordagem nunca é tecnocrática. O objetivo é mobilizar a sociedade, não aliená-la.

O capítulo dedicado ao Cacau e Chocolate, por exemplo, analisa as mudanças na estrutura fundiária da região. O tempo dos coronéis, descrito por Jorge Amado, ficou para trás. Com o fim da riqueza fácil, eles moveram seu capital para outros negócios. Prevalecem agora a pequena e micro-propriedade. Há, inclusive, cerca de cem assentamentos de sem-terra.

É um cenário inteiramente adequado aos modelos contemporâneos de produção e comércio de cacau. Graças a uma nova consciência ambiental, já não é preciso oferecer o fruto a preços aviltados. Despontam, em todo o mundo, consumidores dispostos a pagar um pouco mais pelo chocolate que incorpore, em sua cadeia produtiva, valores intangíveis, como o respeitos direitos sociais e a proteção da natureza — além da qualidade, é claro. Ali mesmo, em Itacaré, um agricultor, Diego Badaró, obtém, por tonelada embarcada, valores três a quatro vezes superiores aos pagos no mercado do cacau ordinário. Seu segredo: ao cultivar em condições 100% orgânicas, e com impacto mínimo sobre a floresta, teve acesso direto a chocolatiers da Europa e Estados Unidos que visam um público mais consciente.

Com acesso a crédito, sementes e formação, milhares de agricultores poderiam buscar qualificação semelhante. O apoio público necessário é incomparavelmente menor que o requerido para financiar (olá, BNDES…) o porto e a siderúrgica. E a atividade, observa o estudo-manifesto, pode gerar dezenas de milhares de ocupações dignas. A agricultura do cacau é, por natureza, intensiva em mão-de-obra: requer, em média, um trabalhador a cada cinco hectares plantados.

Alternativamente, é possível, ao invés de exportar, promover o surgimento de uma agroindústria qualificada na própria região. Nos últimos 30 anos, houve notável miniatuarização das máquinas usadas para produção de chocolates. É possível produzi-lo, com qualidade, em empreendimentos pequenos ou artesanais: mini-indústrias ou mesmo sítios equipados. Esta opção suscitaria o florescimento de uma rede de pequenas empresas, talvez na forma de cooperativas.

Este formato, aliás, estabeleceria intensa sinergia com o Turismo Ambiental e Histórico, outra das grandes vocações identificadas para a Costa do Cacau pelo documento da sociedade civil. Neste caso, o desafio é ampliar e requalificar uma atividade já em andamento. Famosa por seus duzentos quilômetros e praia, a região atrai, a cada ano, entre 300 e 500 mil turistas — 80% dos quais interessados em conhecer de perto e fruir sua natureza (50%) ou história (30%). Estão previstos, até 2010, investimentos suplementares de 1,25 bilhão de dólares, iniciativa do setor privado, público e agências internacionais. Só na Praia do Norte, em Ilhéus, sete hotéis estão projetados, podendo gerar 2 mil postos de trabalho na obra e 2,9 mil permanentes, para acolher os visitantes (a construção foi suspensa pelo anúncio do possível porto). Só aqui, será possível gerar seis vezes as 450 ocupações com que acena o terminal privado da Bamin.

O estudo-manifesto quer mais. Avalia que o número de turistas pode ser multiplicado até por dez, se houver mais investimentos em hotéis, infra-estrutura, capacitação e planejamento. Sugere explorar, como destino, também a Serra do Conduru, coberta pela Mata Atlântica. Aponta como exemplo a localidade de Serra Grande, onde surgiu uma ecovila promissora, a partir do envolvimento da população em programas de cuidado com o ambiente. Mas vislumbra, acima de tudo, a integração do turismo à rede de agroindústrias alternativas que pode surgir em torno do cacau e chocolate.

Resgata, como exemplo, a serra gaúcha ou a região de Mendoza, na Argentina. Nos dois casos, os viajantes são incentivados a conhecer, além das belezas naturais, centros de produção que se destacam pela originalidade do cultivo (a vinha ou o cacau), possibilidade de degustar variedades do produto (vinho ou chocolate), riqueza e preservação do ambiente (a Costa do Cacau tem a vantagem da floresta) e integração social (possível nas pequenas propriedades e cooperativas). Agroindústria e turismo passam a apoiar-se mutuamente. O visitante opta pela região também para conhecer as lavouras de cacau; ou experimenta e passa a difundir os chocolates, depois de deleitar-se nas praias e matas.

A sinergia será ainda mais potente se incluir um polo de Educação, Ciência e Conhecimento voltado, também, para a investigação sobre a região, seus desafios e soluções. Também aqui, o estudo-manifesto, procura partir de uma base já existente. Na rodovia Ilhéus-Itabuna, localiza-se o campus da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Criada em 1991, tornou-se a segunda principal instituição universitária do Estado, logo após a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Reúne 15 mil estudantes, 27 cursos de graduação e quatro de pós (inclusive Cultura e Turismo e Genética da Mata Atlântica). Recebe professores qualificados de diversas regiões do país, que procuram a Costa do Cacau (ao invés de permanecerem num “grande centro” tradicional) porque prezam, acima da remuneração monetária, a qualidade de vida. O dinamismo da UESC contribuiu para atrair, mais recentemente, quatro instituições privadas e a pioneira Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), mantida pelo Intituto Ipê, uma OnG ambientalista.

O interesse das universidades por outras lógicas de produção e desenvolvimento já é real. Poderá converter-se num envolvimento ativo nas atividades de pesquisa, planejamento, ensino, formação e apoio à gestão, caso floresça, na Costa do Cacau, uma nova economia.

O documento chama atenção para a possibilidade de dinamizar, sempre por meio de práticas social e ambientalmente sustentáveis, a Pesca, que assume na região características muito peculiares. É rica, graças ao abrigo e alimento proporcionados, às espécies marinhas, pelos recifes coralinos. Ocupa diretamente cerca de 7 mil pessoas, articuladas em associações de pescadores. Mas é, também, artesanal e sustentável — por isso, mantém-se há séculos. Baseia-se numa dinâmica de rodízio pesqueiro, em sintonia com os corais. No inverno, são procuradas as espécies territoriais (como badejos e vermelhos), que habitam os recifes e suas proximidades. No verão, pescam-se as de mar aberto (dourados, atuns, cavalas, entre outras).

Durante todo o ano, o litoral oferece também caranguejos, mariscos e camarões. Mas uma experiência anterior mostrou que tal qualidade de pesca pode ser seriamente atingida por grandes intervenções de infra-estrutura. Em 1971, a construção de um porto adicional em Ilhéus — o do Malhado, para escoamento do cacau — provocou o surgimento de bancos de areia, desabilitou as praias da zona urbana (até então, atraentes e frequentadas) e afastou os cardumes. Ironicamente, o assoreamento acabou afetando a própriria obra, que hoje recebe apenas navios de até dez metros de calado.

A proposta da sociedade civil não menospreza a indústria. Com incentivos estaduais, a região formou em Ilhéus, a partir de 1995, um Pólo de Informática, que chegou a faturar R$ 2 bilhões (em 2007), reunindo 52 empresas, oferecendo centenas de ocupações qualificadas e produzindo 15% dos computadores vendidos no país. É, frisa o documento, um tipo de atividade industrial em perfeita harmonia com um novo projeto para a Costa do Cacau. Ao contrário da siderúrgica prevista pela Vale e suas parceiras chinesas, não provoca impactos no ambiente; viabiliza a existência de pequenas e médias empresas dedicadas a nichos específicos da produção; estabelece sinergia com as universidades.

O Pólo de Informática de Ilhéus, contudo, entrou em crise desde 2008. Seu faturamento e arrecadação caem desde então, apesar do enorme aumento no consumo de computadores, no país. Perderam-se — para Manaus ou a Santa Rita do Sapucaí-MG — 24 empresas. As causas do declínio são falta de créditos (principalmente para capital de giro de empresas pequenaas e médias), de incentivos fiscais (disponíveis no Amazonas e em Minas Gerais) e de infra-estrutura urbana (faltam galpões e vias adequados na área do Pólo). Podem ser perfeitamente sanadas com ações do Estado. Os recursos para tanto são reduzidos, se comparados às grandes obras portuárias e industriais que se quer construir. Mas para agir a tempo, o poder público precisa decidir: que tipo de padrão industrial representa o futuro, e está em sintonia com as características naturais e históricas da Costa do Cacau?

VI.

Num aspecto, as organizações da sociedade civil que assinam o estudo-manifesto são especialmente enfáticas. Elas não vêem possibilidade de conciliar o projeto alternativo que construíram para a Costa do Cacau com os planos do complexo siderúrgico-portuário do Porto Sul. Ambos são incompatíveis entre si.

Do ponto de vista ambiental, uma série de atividades previstas no terminal exportador ameaça e afugenta iniciativas ligadas a uma economia do território e do conhecimento. Há riscos específicos e agudos: a destruição de diversos trechos da mata, no centro de uma Reserva da Biosfera e em plena Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada. A desorganização provocada, por uma ponte de 2,5 km, nos ecossistemas que gravitam em torno dos recifes coralinos são os principais.

Os riscos difusos, e ainda mais graves, porque abrangentes. Nos portos, há despejo de resíduos originários da limpeza dos tanques dos navios, esgotos, resíduos líquidos. O terminal privado da Bamin receberá, sozinho, cerca de 300 embarcações por ano e o número poderá se multiplicar, com a eventual construção do terminal estatal de graneleiros e contêineres. Os depósitos de minério, na área do retroporto, serão varridos pelo vento, com o pó se espalhando pela floresta e pelo mar. Nos portos de Tubarão-ES (que recebe o ferro de Minas Gerais) e Itaqui-MA (destino do minério de Carajás), esta ação provocou o surgimento das chamadas “marés vermelhas”, carregadas de minério.

A desmobilização de investimentos turísticos (já relatada pelo presidente da associação hoteleira), logo após o anúncio da construção do porto, sinaliza os prejuízos que poderão ocorrer quando operar. A situação é mais grave porque será atingida a rede de hospedagem mais vasta, equipada e articulada de toda a região: a de Ilhéus. Embora menos expressivos, do ponto de vista financeiro, os prejuízos para a pesca são comparáveis, do ponto de vista social. Ameaçarão 7 mil ocupações. São trabalhadores que terão dificuldades para se adaptar a outras profissões. Vivem em comunidades estratégicas para manutenção de equilíbrio entre o ser humano e a natureza. Sua desestruturação poderia ser trágicas.

De todos os possíveis impactos provocados pelo anúncio do complexo minero-siderúrgico, o mais delicado é o humano. Em sua base, estão expectativas fantasiosas sobre o número de empregos gerados pelas obras — alimentadas por declarações pelo menos imprudentes de autoridades.

Talvez com intuito de reduzir as resistências contra a plataforma de exportação primária, Integrantes do governo baiano e da Bamin têm alardeado, em visitas à Costa do Cacau, a criação de 30 mil postos de trabalho. Mas as afirmações são sempre genéricas. Jamais especificaram em que unidades de produção, localidades ou circunstâncias tais vagas poderão ser encontradas. Estarão incluídos os empregos na mina de Caetité? Na ferrovia? Nas obras idealizadas mas sequer transformadas em projetos, como o aeroporto e o terminal portuário estatal? Incluirão cálculos hipotéticos (e frequentemente superestimados) sobre “empregos indiretos”.

A conta segura que é possível fazer até o momento aponta um número de ocupações muitas vezes inferior ao propagado. A construção do porto, diz a Bamin, ocupará 2 mil operários — reduzidos a meros 160, quando as obras terminarem. A Votorantim e suas parceiras chinesas falam em 460 postos de trabalho na siderúrgica — e em 4,2 mil empregos indiretos. Das duas, uma. Ou o cáculo de 30 mil é uma superestimação marqueteira, ou se pretende construir, na Costa do Cacau, um complexo industrial em dimensões de uma Cubatão baiana — o que destroçaria o ambiente, frustrando por completo as possibilidades de uma nova lógica produtiva.

Seja como for, as declarações produzem efeitos irreversíveis. Alguns cálculos estimam que Ilhéus receberá 150 mil pessoas (65% da população atual) nos próximos anos, atraídas pela propaganda de tantas vagas. Que farão, ao verem-se frustradas? Parece certo que, rejeitados nas áreas restritas aos ricos, engrossarão o contingente dos que são forçados a pressionar morros, mangues e florestas, em busca de espaço vital.

* * *

Embora identifique, em sua própria região, outras vocações, o estudo-manifesto da sociedade civil de Ilhéus não condena a indústria pesada. A atividade humana precisa, cada vez mais, do minério de ferro. Embora seu uso possa ser sensivelmente reduzido, com novos padrões de consumo, seria irrealista e hipócrita condenar a mineração e as siderúrgicas — e continuar servindo-se de geladeiras, automóveis, aeroportos.

Aqui abre-se mais um aspecto profundamente inovador do trabalho da Costa do Cacau. Seus proponentes não estão interessados nem em invabilizar a grande descoberta mineral de Caetité, nem, muito menos, em se opor à Ferrovia de Integração Oeste-Leste. Eles buscam caminhos para viabilizar os dois projetos. A lógica é a da diversidade. Uma nova sociedade pós-industrial não precisa negar a indústria: mas, sim, adequá-la a condições sustentáveis.

O documento de Ilhéus defende explicitamente, “a constituição, no Sul da Bahia, de dois polos geradores de riquezas: o minerossiderúrgico [no interior, em Caetité] e o da indústria de cacau e chocolate, associada ao turismo ambiental”. Para alcançar tal feito, basta uma decisão política. É preciso explorar a enorme jazida de ferro do sertão baiano — tomando, contudo, o cuidado de escoar sua produção por meio de outro porto.

Não se trata de solução quimérica. O estudo-manifesto desce aos detalhes e aponta: em Brumado, ainda no sertão baiano e a cerca de cem quilômetros de Caetité, passa um dos ramais da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) (http://www.transportes.gov.br/bit/ferro/fca/mapa_zoom2.jpg). Pertencente à União, e operado por concessão pela Vale, ele liga Belo Horizonte e o interior de Minas Gerais ao Recôncavo Baiano. Implantado décadas atrás, requer modernização — em todo caso, muito mais barata que construir, do zero, 520 quilômetros de ferrovias. Para que sirva ao ferro de Caetité, basta construir um ramal, ligando esta cidade a Brumado.

A opção pela FCA tem uma vantagem adicional — e decisiva. A ferrovia conecta-se, em seu ponto de chegada no Recôncavo Baiano, com o Porto de Aratu. Lá, não há santuários ambientais por perto. As instalações estão consolidadas há anos. Prestam-se para manejo de múltiplos tipos de carga. Lá, já mantêm grandes armazéns e terminais gigantes do agronegócio, como a ADM, Bunge, Cargill. Lá, há instalações para embarque e desembarque de petróleo e derivados, produtos químicos, automóveis. Lá, já opera o Terminal de Cotegipe, especializado em trigo e grãos oriundos do cerrado – e perfeitamente capaz de embarcar minérios.

Ao derivar para lá, finalmente, a Ferrovia Oeste-Leste converteria-se de fato uma obra de integração, deixando a condição de mera rota para exportações. Porque do Recôncavo, os trens poderiam voltar ao sertão carregados de fertilizantes, combustíveis, outros bens.

Que sentido haveria, então, em insistir no Porto Sul?

VII.

Um Rubicão foi cruzado na Costa do Cacau.

Nas últimas décadas, a consciência ambiental difundiu-se entre amplos setores da sociedade brasileira, tornando-se marcante especialmente entre os mais jovens. Ela sugere examinar criticamente os efeitos de produtos, serviços e intervenções na natureza. É, neste sentido, uma resistência ao poder alienador do capital – que busca impor o interessa individual, o egoísmo e a busca do lucro como únicas lógicas sociais legítimas. Mas resistir é, por natureza, uma postura defensiva. Se bem-sucedida, ela pode, no máximo, afastar (ou adiar) algo indesejável.

Este limite foi rompido, no estudo-manifesto que propõe outra lógica econômica para a região. Organizações da Costa do Cacau estão reivindicando, para a sociedade, não apenas o poder de evitar o pior. Querem construir conscientemente seu destino, levando em conta valores como inclusão social e uma relação não-predatória com a natureza. Na lógica pós-capitalista das redes, que também contagia rapidamente as sociedades, reivindicações assim são naturais. Assume-se responsabilidades pelo futuro coletivo. Não se espera que ele seja obra de um poder externo.

Por ser profunda, a luta relatada nesta reportagem dispensa radicalidades ocas. Não nega o progresso, a indústria, ou a exploração mineral: busca estabelecer a soberania da sociedade sobre estes. Seu símbolo é, neste instante, a redefinição do traçado de uma ferrovia.

* * *

O atual governo da Bahia surgiu há quatro anos. Entre os anseios sociais que impulsionaram a vitória eleitoral de Jacques Wagner em 2008, figura com destaque o repúdio à ultraconcentração de poderes. A campanha da Costa do Cacau oferece agora, a Wagner e às forças políticas que compõem seu governo, uma oportunidade rara.

Apoiar a luta da sociedade civil seria criar um fato novo de repercussão internacional. No Brasil, significaria facilitar um reencontro histórico entre o desenvolvimentismo e o ambientalismo, gerando, a partir da Bahia, diálogos que serão de enorme importância no cenário complexo que se abrirá após as eleições. E esta retomada estaria em sintonia com a construção de uma nova cultura política – expressa em processos de repercussão planetária, como o Fórum Social Mundial.

Na Bahia e em todo o mundo, a sociedade civil continuará construindo novas relações com o poder. As questões que ainda precisam de resposta são: será possível gerar, no episódio emblemático da Costa do Cacau, um exemplo inédito e de amplíssimo impacto? O governo Jacques Wagner será capaz de incorporar a ousadia típicas dos baianos e engajar-se na proposta?

segunda-feira, novembro 15, 2010

Diálogos da Sustentabilidade (7): Insatisfeitos com Porto Sul são minoria

E O DIÁLOGO SOBRE O MODELO DE DESENVOLVIMENTO DEVE CONTINUAR, E NOS VAMOS REGISTRAR ISSO, PORQUE ESSE É O MOMENTO DE DISCUTIR E DE NÃO SE OMITI, DISCUTIR EXAUSTIVAMENTE UM MODELO SUSTENTÁVEL DE DESENVOLVIMENTO PARA O SUL DA BAHIA, O BRASIL E O PLANETA INTEIRO, RESPEITANDO AS PESSOAS E A VIDA.

Insatisfeitos com Porto Sul são minoria, diz secretário
FONTE: A TARDE DA BAHIA

O secretário especial de Portos da Bahia, Roberto Benjamin, diz ser minoria as pessoas que questionam a construção do Porto Sul ao norte de Ilhéus. É uma reação a moradores, ONG e empresários que aproveitaram a presença da presidente eleita Dilma Rousseff em praia da região para questionar a obra. Eles argumentam que o empreendimento causará danos ambientais na área de rica diversidade natural.

Mas, para Benjamin, o Complexo Logístico Intermodal Porto Sul, que envolve a construção do porto, do novo aeroporto de Ilhéus e da Ferrovia Oeste Leste, conta com o apoio da comunidade e com tecnologia suficiente para “minimizar” o impacto.

“Uma pesquisa de opinião feita com um instituto sério indicou que 77,6% dos 965 entrevistados são a favor do projeto”, argumenta Benjamin.

Ele diz que o projeto do porto envolve a construção de uma ponte com cerca de 3 km mar adentro para diminuir os estragos.

“O trecho de praia que vai ser usado é praticamente nada diante da imensidão da região”, contesta.

Para a ONG Ação Ilhéus, o projeto representa risco às áreas de proteção, manguezais, mata atlântica e ao turismo.

“Se Dilma gostou, deve querer voltar, por isso tem que impedir a construção do porto”, disse Mary Berbert, da entidade, sobre presença de quatro dias de Dilma na Praia do Patizeiro, a 20 km de Itacaré.

“O governo fez estudos aprofundados e não vai permitir que pequenos grupos atrapalhem o desenvolvimento”, alega Benjamin.


Secretário de Portos da Bahia reduziu o Porto Sul a uma guerra de torcidas
por Rui Barbosa da Rocha

Nem nos jogos de futebol as partidas são decididas por número de torcedores.

O secretário de Portos da Bahia reduziu o projeto Porto Sul a um jogo de torcidas, aonde o time com maior claque deve por isso ganhar, omitindo as questões de natureza técnica e legal que ainda persistem neste mega projeto da Bahia Mineração. O melhor seria apontar os reais problemas, já estudados por técnicos do setor ambiental e jurídico, e quais as soluções possíveis, além dos reais impactos e benefícios de Ilhéus e região, até agora pouco analisados. A gestão de um projeto desta magnitude não pode ser tratado levianamente, mas o que estamos assistindo por parte da BAMIN e pelo governo baiano é exatamente isso.

O secretário afirmou ao Jornal A Tarde que o Porto Sul, ao norte de Ilhéus, é questionado apenas por uma minoria e que os impactos ambientais serão minimizados. Já o vice presidente da BAMIN, o Sr. Clóvis Torres, depois de propagar na TV que os pescadores serão beneficiados pelo porto, afirmou ao mesmo jornal que os impactos ambientais serão mínimos.

Leio com perplexidade os argumentos do Sr. Roberto Benjamin e do vice presidente da BAMIN e compreendo que ele, como engenheiro e secretário de estado, comete um erro gravíssimo ao insinuar que este projeto deve ser tratado de forma plebiscitária – maioria versus minoria. Nem em jogo de futebol as partidas são decididas por número de torcedores em estádios. Assunto desta magnitude – o Porto Sul – deveria ser tratado primeiro por especialistas nas áreas de conhecimento que o projeto se propõe a intervir.

Em que pese a publicidade da BAMIN e do governo baiano desde janeiro de 2008 sobre o porto de minério de ferro na Ponta da Tulha, no coração da Costa do Cacau e da Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada, o nível de ignorância sobre este assunto é estarrecedor, inclusive pelos gestores públicos. A maioria a favor do projeto simplesmente desconhece a parte técnica deste complexo minerário, e as informações disponíveis dos estudos técnicos do Instituto de Meio Ambiente da Bahia e da própria BAMIN são estarrecedores, sem falar noutro tema muito importante, que é a fragilidade deste projeto para promover o real desenvolvimento no Sul da Bahia.

Os estudos ambientais oficiais que descrevem os impactos deste projeto são claros – os corais, a Mata Atlântica, a biodiversidade, a zona turística da Costa do Cacau e os pescadores serão diretamente afetados pelo porto, irreversivelmente. O volume de rochas a ser consumido – 3,75 milhões de metros cúbicos - seria suficiente para abarrotar as ruas e estradas de Ilhéus a Serra Grande com caminhões por meses, para suprir o quebra mar do porto, em alto mar. A poluição atmosférica pode chegar a 80% da capacidade limite desta região, somente com as estruturas de logística de apoio portuário, bem como armazenagem de ferro, ao lado do mar. Sem falar na dispersão do pó de ferro nas areias, na água do mar e no comprometimento das áreas úmidas nesta região, com a drenagem necessária da água dos brejos na planície norte de Ilhéus.

Para elevar o debate sobre este assunto, deveríamos discutir a pertinência do porto também sob a ótica do desenvolvimento, já que o mesmo é apontado como a redenção da região Sul da Bahia, após a crise do cacau com a vassoura de bruxa. O secretário chegou a anunciar 40 mil empregos gerados em conseqüência do porto, embora os números da BAMIN apontem não mais do que 500 empregos. A atividade comercial e industrial associada ainda é uma incógnita, mas os números da UFRJ flutuam de acordo com a capacidade de se instalar uma siderúrgica na região – mas mesmo este tipo de instalação industrial responderia timidamente a demanda de empregos dos ex-trabalhadores rurais do cacau – que somam mais de duzentos mil pessoas em toda a região, com população de mais de hum (01) milhão de habitantes. O investimento da ferrovia Oeste Leste, de quase 6 bilhões de reais, somado ao porto, de mais 1,4 bilhões, vai beneficiar diretamente a BAMIN e gerar um número de empregos muito pequeno, se comparado a economia já existente do cacau e do turismo regional, que somados chegam a 125 mil empregos diretos, mesmo com o frágil apoio governamental.

O Porto Sul não é problema para uma minoria, como diz o secretário, nem uma querela do IBAMA, como anunciam os artigos de jornal. Do jeito que está hoje, o Porto Sul é assunto de alta prioridade para a Bahia e para o Brasil, pois envolve dinheiro público que beneficia sim a poucos, mas prejudica a muitos, como teima em esconder a propaganda oficial.

Diálogos da Sustentabilidade (6): O lobo na pele de cordeiro

O lobo na pele de cordeiro
por Marc Dourojeanni
Professor e decano da Faculdade Florestal da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru e Diretor Geral Florestal desse país. Atualmente é Presidente da Fundação ProNaturaleza.

O que deve fazer o pastor quando confirma que entre seus cordeiros tem um lobo disfarçado de cordeiro que se aproveita da sua situação no rebanho para atacá-lo? Que fazer com os profissionais que se qualificam como ambientais para melhor destruir o ambiente? Até umas três décadas atrás nem existia o complemento “ambiental” ou “ambientalista” nas profissões tradicionais e, até faz pouco tempo, praticamente todos os que complementavam seus títulos acadêmicos com o agregado ambiental eram, mesmo, ambientalistas ou, pelo menos, pretendiam sê-lo. Mas o mundo mudou e agora, os cartões de visita que anunciam um engenheiro ambiental ou um advogado ambiental, entre outras profissões que acoplaram o termo ambiental, não pertencem necessariamente aos defensores do meio ambiente. Muito pelo contrário, como resultado de uma legislação ambiental mais severa e de um maior rigor na sua aplicação que, em geral, eleva os custos dos empreendimentos, parte significante dos profissionais ambientais da atualidade aplica lucrativamente seus conhecimentos prejudicando o ambiente ou apoiando ou defendendo aos que danam o meio ambiente.

Não se trata, no caso, de visões ou estratégias diferentes para conservar a natureza ou melhorar o entorno. Nem se trata de erros, que qualquer um pode cometer. Trata-se, isso sim, de aplicar fria e calculadamente os conhecimentos adquiridos com a profissão ou a especialização ambiental para favorecer interesses de pessoas ou grupos, que se beneficiam economicamente a partir de soluções ou decisões que agridem a natureza e comprometem o futuro humano. O problema é que ninguém espera, a priori, que um especialista em meio ambiente assessore sobre as melhores formas de ignorar, simular ou burlar as práticas ambientais que a ciência e a técnica, ou o senso comum indicam ou propugnam e que até a própria lei ordena. Esses são, pois, os lobos desta história.

É evidente que não existe unanimidade para enfrentar a problemática em todas as suas facetas e tem até quem ache que não existe no mundo nenhum problema ambiental realmente sério. Há, por exemplo, quem não acredita nas implicâncias das mudanças climáticas, ou acha que a diversidade biológica é um estorvo e que não importa perder a maior parte dela, pois, segundo eles até é possível recriar a vida. Existem muitos biólogos, engenheiros agrônomos e florestais e até ecólogos, em universidades, centros de pesquisa e especialmente em empresas privadas que estão convencidos que o meio ambiente e a humanidade não correm riscos sérios e que, em todo caso, a inteligência humana pode resolver qualquer dificuldade provocada pela ação do homem. Assim mesmo são muitos e poderosos aqueles que antepõem o desenvolvimento convencional ou o crescimento econômico simplista, ou seja, que não levam em conta os custos da degradação ambiental. Outros fazem isso apenas por convicção política e, às vezes, até por ignorância. Ainda pensando e atuando assim, nenhum desses personagens dissimula o que pensam ou o que fazem. Eles até podem ser lobos ferozes, mas não são os lobos dissimulados que motivam este conto. E, obviamente, os integrantes dessa imensa maioria ignorante e silenciosa que se exime de pensar ou participar e que passa a vida toda esperando sem preocupação que outros tomem por eles as decisões, não são lobos de nenhuma classe.

De outra parte, existem mil e uma opções que propugnam os ambientalistas para resolver os problemas do mundo, como é revelado pelas discussões e desentendimentos entre os socioambientalistas, ou seja, os antropocêntricos e, os ambientalistas ou, se preferir, os “ecocêntricos” e todas suas classes e raças intermediárias. Mas, todos eles e elas estão a favor da natureza, de um entorno saudável e, da relação harmoniosa e sustentável do desenvolvimento e da sociedade com o ambiente. Apenas diferem em como fazer melhor as coisas para o meio ambiente e para a humanidade. Eles e elas, neste caso, são ovelhas de diferentes cores, formas, odores e tamanhos que formam o rebanho que é infiltrado pelos lobos disfarçados de cordeiros.

Os lobos na pele de cordeiro exibem e usam muito seu titulo “ambiental”. Eles estão por todas as partes e, nem sempre é fácil identificá-los. São freqüentes em empresas de consultoria, dessas que fazem estudos de impacto social e ambiental bem a gosto do cliente inescrupuloso e irresponsável. Alguns estão nas empresas que direta ou indiretamente maltratam o ambiente e, claro, eles pululam nos escritórios de advocacia. São esses lobos dissimulados que produziram ou defenderam, apenas nos últimos anos, toda classe de argumentos pretendendo a eliminação do ICMS ecológico e ainda a da mínima compensação ambiental que as grandes obras devem aportar para estabelecer áreas protegidas; defenderam radical e irrestritamente o uso dos transgênicos; também declararam que o CONAMA é uma aberração legal, argumentaram a favor da permanência de invasores em parques nacionais, sugeriram e conseguiram a eliminação ou redução do tamanho de unidades de conservação de preservação permanente ou a sua substituição por categorias que mantém intata a propriedade privada; atacaram o Código Florestal no que se refere a áreas de preservação permanente e reservas legais e; fizeram esforços para provar que o licenciamento ambiental é ineficaz e abusivo, sempre procurando facilitar os investimentos afetados.

Neste ponto deve ficar muito claro que qualquer cidadão tem pleno direito de se opor a medidas ambientais e que pode propor ações ou medidas que são ou podem ser prejudiciais ao entorno. Isso ocorre no dia a dia e é perfeitamente normal e aceitável e faz parte dos direitos básicos de qualquer cidadão. A sociedade, através da legislação e de outros mecanismos, decidirá sobre isso. Inclusive, como é tão freqüente, a maioria da população pode decidir fazer algo que a prejudica, como ocorre quando a sociedade apoia massivamente uma declaração de guerra suicida. O problema, neste caso, é o uso do disfarce ambiental ou ambientalista para fazer ou propor algo negativo ao ambiente. Neste ponto, pode se chegar à conclusão que o problema de fundo é um de ética profissional. Dito de outro modo, embora eles possam não violar lei nenhuma, eles não são honestos consigo mesmos.

De outra parte, como qualquer ecólogo sabe de sobejo, os lobos são úteis para manter uma população saudável e, por isso, devem ser preservados. Esses que, por exemplo, são advogados, cumprem uma função social importante defendendo os direitos ou os interesses individuais ou de grupos contra abusos da autoridade ou de outros cidadãos e até contra os erros da lei ou da sua aplicação. O bem comum não pode se construir sobre injustiças. Assim, por exemplo, o caso reiteradamente apontado da falta de regularização fundiária em unidades de conservação antigas é um escândalo que configura abuso. Denunciar isso, embora que na aparência fera o ambiente, é na realidade um passo adiante. Mas, um advogado realmente ambientalista não deveria propor como solução a eliminação ou degradação da unidade de conservação. Ele deveria focar sua artilharia jurídica para remediar o problema e seus conhecimentos legais para que os responsáveis dessa situação sejam severamente castigados e, obviamente, conseguir o trato justo das vítimas da inércia e da irresponsabilidade do setor público responsável.

É assim mesmo lógico que qualquer advogado, ambiental ou não, que defende os direitos ou interesses dos seus clientes procure a interpretação da lei que mais lhe convém. É igualmente aceitável que quando encontre interstícios nas leis ou até na Constituição, se aferre a eles para construir seu caso. Ao defender exitosamente ao seu cliente pode, obviamente, prejudicar o ambiente. É nesse ponto no que a parte ética entra em consideração, esperando-se que para ganhar seu caso, aplique seus conhecimentos, a sua imaginação e, em especial, a sua boa vontade e para não prejudicar mais o meio ambiente.

Ou seja, o problema dos pastores não é a existência de lobos. Estes sempre vão a atacar o rebanho. Seu problema é a identificação dos lobos que aparentam serem ovelhas e, nesse caso, impedir que fiquem dentro do seu rebanho, que é heterogêneo em como defender o ambiente, porém homogêneo na necessidade de defendê-lo. No final das contas todo o anterior se resume ao fato que na atualidade, ser profissional titulado em assuntos do meio ambiente não garante que seu interesse ou vocação seja a de preservar, melhorar ou restaurar o meio ambiente natural ou humano.

Quiçá ajudaria que as profissões que agora levam o complemento “ambiental” obriguem a seus graduados a fazer um juramento que, como o hipocrático, lhes obrigue a ser leais aos fundamentos do seu ofício. Mas, antes que isso seja realidade e também se for, o único que o cidadão comum pode fazer é esquecer o título “ambiental” desses profissionais e, apenas, avaliá-los em função da sua atuação.

sábado, novembro 13, 2010

Diálogos da Sustentabilidade (5): Carta para os candidatos a presidencia José Serra e Dilma Rosaos

CARTA PARA OS CANDIDATOS A PRESIDENCIA

JOSÉ SERRA E DILMA ROUSSEFF
Pela Rede Sul da Bahia Justo e Sustentável

Vimos por meio desta, expor nossa preocupação com a rica e importantíssima biodiversidade do Sul da Bahia, local onde se encontram 80% dos remanescentes da Mata Atlântica no Nordeste, reconhecidos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e protegidos pela Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), estão sob grave ameaça imposta por um projeto, Complexo Logístico Intermodal Porto Sul – CLIPS, que pretende implantar um complexo portuário na Ponta da Tulha, em Ilhéus, ancorado no interesse privado da empresa de capital internacional, Bahia Mineração (BAMIN), em escoar minério de ferro extraído de jazidas do município de Caetité (BA). O terminal marítimo de exportação de minério será ligado às jazidas pela futura Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), que ligará a cidade de Figueirópolis (TO) à Ilhéus (BA).

Dessa maneira, a escolha da Ponta da Tulha para construir o complexo portuário, bem como a escolha do traçado final da FIOL, que desemboca em Ilhéus, destruirão uma área de megadiversidade, compreendida dentro de uma Área de Preservação Ambiental, a APA da Lagoa Encantada e Rio Almada, protegida pela atual legislação ambiental brasileira, em especial a Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

O Sul da Bahia foi objeto de narrativas de importantes naturalistas, tais como Charles Darwin, Von Spix e Von Martius, além do príncipe Maximiliano Philipp zu Wied-Neuwied, que estiveram presentes na região e relataram suas experiências, constituindo referências históricas relevantes para o Brasil e o mundo. Esta região é caracterizada por sua extrema riqueza natural, histórica e cultural, abrigando um enorme patrimônio ecológico e socioambiental brasileiro, traduzido por paisagens de valor histórico e espécies animais e vegetais endêmicas e ameaçadas de extinção, que poderão ser exterminadas da face da Terra se não forem preservadas. Inclusive, o próprio Ministério do Meio Ambiente, na publicação “Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira: Atualização - Portaria MMA nº 09, de 23 de janeiro de 2007”, classifica a região em que se pretende implantar o terminal portuário da BAMIN como de importância biológica extremamente alta.

Esse patrimônio cultural e natural é resultado de relações históricas seculares de comunidades locais e centenas de milhares de produtores e trabalhadores rurais, pescadores, comunidades quilombolas e remanescentes indígenas cuja economia tem sido marginalizada ao longo de décadas. Suas atividades, se bem aproveitadas, poderiam ser a base de uma nova economia regional movida pela produção de cacau e chocolate, frutas, fibras naturais, indústria de base local e de micro e pequena escala, turismo e cultura regional. Cabe destacar que essas mesmas populações poderão ser as maiores vítimas de projetos corporativos como os da BAMIN. Empreendimentos como esse são capazes de destruir um projeto que pode enfrentar o desafio da geração de emprego para a região, baseada numa perspectiva integradora e com fontes de financiamento baseadas em critérios de sustentabilidade. Para isso, o Sul da Bahia, mais que qualquer outra região do país, reúne condições excepcionais para se desenvolver utilizando-se da natureza e garantindo a sustentabilidade dos sistemas naturais, o chamado ecodesenvolvimento.

A área onde se pretende instalar o terminal portuário da BAMIN está inteiramente incluída na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO, evidenciando o compromisso do governo brasileiro com a conservação e o desenvolvimento sustentável da área. Vale lembrar que a Mata Atlântica é reconhecidamente um bioma de importância global e sob ameaça de alto grau. Tendo perdido pelo menos 93% de seu habitat original, é considerado um hotspot, contendo mais de 1.500 espécies de plantas vasculares endêmicas (cerca de 0,5% do total mundial), cujos ecossistemas prestam inestimáveis serviços à sociedade, incluindo a manutenção de água de qualidade para as cidades e equilíbrio climático, além de compor uma das paisagens mais belas do mundo. Tal local, às margens do Rio Almada e da Lagoa Encantada, foi tombado pelo município de Ilhéus em 1991 e, em 1993, a mesma região foi alvo da criação da Área de Preservação Ambiental (APA) da Lagoa Encantada, ampliada em 2003 com o objetivo de conservar os valiosos ecossistemas remanescentes da Mata Atlântica na bacia do Rio Almada, sua nascente, os manguezais e áreas úmidas associadas a seu estuário. Dessa maneira, a implantação do Complexo Intermodal Porto Sul afetará áreas de preservação permanente, assim definidas pelo artigo 215 da Constituição do Estado da Bahia, como, por exemplo, recifes de coral, manguezais, dunas e restingas, além de comprometer a riqueza que as áreas indicadas possuem, tais como o abrigo de espécies raras da fauna e flora locais e a beleza cênica que compõe esse ecossistema, com imenso potencial de desenvolvimento de ecoturismo.

É importante destacar, ainda, a importância da biodiversidade marinha do Sul da Bahia, em especial os recifes de coral. O Brasil possui os únicos ambientes recifais de todo o oceano Atlântico Sul e o Sul da Bahia, por sua vez, possui a mais extensa área de recifes coralíneos do país. A fauna de coral formadora dos recifes é constituída por espécies que, em sua maioria, são endêmicas da província brasileira, ou seja, só existem em nosso país. Apenas vinte espécies foram identificadas até o momento, das quais oito estão presentes apenas no litoral baiano.

Recentemente, em abril de 2010, a UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz) fez um relatório para mapear os bancos de corais na área de implantação do porto da BAMIN, com dados obtidos através de mergulhos sistemáticos na região, e constatou a presença de recifes de coral dentro da área considerada como de influência direta do Terminal Portuário da Ponta da Tulha, com a presença de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. Segundo esse relatório, caso o Complexo Porto Sul seja implantado, o banco recifal será seriamente impactado durante a construção da ponte projetada para dar acesso ao píer de atracação do porto, podendo impor sérios riscos de sombreamento e soterramento aos recifes de coral. Isso que dizer que toda a riqueza coralínea existente na região sofrerá um brutal impacto, que poderá ser até irreversível, caso os empreendimentos que compõem o Complexo sejam implantados.

Ainda a respeito dos recifes de coral, é importante ressaltar que, por deter alta importância biológica, é conferida à região uma enorme responsabilidade de proteção e uso sustentável desses ambientes, devido à variedade de bens e serviços que prestam, tais como (i) proteção do litoral contra a ação das ondas, (ii) berçários para as espécies marinhas, (iii) uso recreativo e turístico e (iv) fontes de compostos medicinais. Para garantir essa proteção, o Brasil tornou-se signatário da ICRI (International Coral Reef Initiative) - Iniciativa Internacional dos Recifes de Coral, tendo firmado compromissos no âmbito internacional para a proteção e conservação da biodiversidade. Além disso, cabe destacar que o Brasil também é signatário da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) da Organização das Nações Unidas (ONU), assumindo importantes metas de conservação da biodiversidade.

Considerando a vocação turística dessa região, a possível viabilização de um complexo portuário dessa magnitude significaria a sentença de morte de toda a cadeia de turismo e de uma rede de negócios baseada em uma economia de baixo carbono, inovadora e que aproveita as vocações e potencialidades da região, tais como a indústria cacaueira, de pesca e informática. Ao contrário do que a BAMIN tem afirmado em relação à geração de "milhares" de empregos, com a implantação do Terminal Portuário, serão gerados apenas 460 postos de emprego definitivos - com mão-de-obra especializada, ou seja, não contemplando a população local. Outra informação relevante é que a exploração da mina em Caetité se dará pelo período de 15 anos, e aliada à grande massa migratória que estima-se ser deslocada para a região, representarão um sério fator limitante à geração de empregos na região.

É imprescindível ressaltar que, sendo o turismo uma das principais atividades da região, ele tem um papel fundamental no combate à pobreza e é uma ferramenta crucial para o desenvolvimento sustentável. As principais motivações turísticas da Bahia são a NATUREZA e o PATRIMÔNIO HISTÓRICO. Sendo assim, a inviabilização dessas atividades turísticas, baseadas nos atrativos naturais e culturais do local, comprometerá todos os investimentos realizados até o momento pelo Prodetur (Programa de Desenvolvimento do Turismo - Nordeste) na região. Cabe citar que este Programa, financiado por recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para promover a expansão e melhoria da qualidade da atividade turística na Região Nordeste e para melhorar a qualidade de vida das populações residentes nas áreas beneficiadas, pode ter sua credibilidade institucional ameaçada com a implantação do Complexo Porto Sul.

Vale lembrar que ao lado de Caetité já existe uma ferrovia - a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que segue para o Porto de Aratu, na Baía de Todos os Santos, também já existente - que poderia ser revitalizada e utilizada para escoar o minério de ferro e exportar para o referido porto, sendo uma opção extremamente menos impactante dos pontos de vista econômico e socioambiental, afastando a necessidade de se construir uma nova ferrovia que interligue Caetité e Ilhéus e um novo porto na região da Ponta da Tulha.

Ocorre que, para atender basicamente aos interesses estratégicos da BAMIN, o traçado pensado até então para a ferrovia foi trazido mais para o sul, tornando-se significativamente maior e mais caro, firmando-se, ainda, uma situação de obsolescência de um importante sistema logístico.

Diante de todo o exposto, o terminal de uso privativo da BAMIN, bem como o traçado final da FIOL, em sua atual concepção, são incompatíveis com a preservação do bioma e do desenvolvimento sustentável da região.

Pelos motivos acima elencados, pedimos que, sendo eleito ou eleita à presidência da República, e tendo firmado um compromisso público de apoiar o desenvolvimento sustentável, reconsidere a implantação desse complexo na localização prevista, levando em conta os importantes atributos ambientais, sociais e culturais da região, sua vocação turística, o respeito à legislação brasileira, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável na Bahia e beneficiar a sociedade com uma melhor qualidade de vida, por meio de um modelo de desenvolvimento que gere renda e postos de trabalho mediante o uso sustentável do patrimônio ambiental, notadamente das unidades de conservação, inserindo a Bahia definitivamente em um modelo de desenvolvimento do século XXI, levando em conta as futuras gerações, uma economia mais justa e sustentável e o respeito à natureza e às reais vocações da região.