quarta-feira, dezembro 30, 2015

As imagens mais chocantes de 2015 para a Flora Neotropical

  Não sobrou praticamente nada, e do que sobrou dessa floresta litorânea costeira é um tesouro da biodiversidade global. E foi através de imagens do extraordinário democratizador da história da cidade, famílias, paisagens e problemas de Ilhéus, e do sul da Bahia, José Nazal, cujo trabalho tenho grande admiração, que mais me impressionei em 2015. Imagens para uma reflexão sobre o futuro da conservação da biodiversidade em Ilhéus, aclamada no mundo por esta riqueza única, e que só existe aqui. Pois essas imagens estampam as feridas do incêndio que atingiu, nesse mês de novembro e dezembro, grandes áreas do pouco que resta de florestas remanescentes em poucos dias.

  Dada a proporção do que resta de Mata Atlântica que em todo o nordeste (leste oriental do Brasil), e menos de 2% de florestas íntegras no município de Ilhéus, trata-se de uma devastação em larga escala. Precisamos mudar isso urgentemente e recuperar um pensamento, um planejamento territorial para Ilhéus. Precisamos reavivar a lei, educativamente, através do diálogo, e um pacto regulador, sustentado com um planejamento efetivo, in loco, e publicidade da regras do uso e ocupação do solo no município.

  É preciso fazer valer a figura das Reservas Florestais Municipais protegidas em mosaico com as APP´S, e favorecendo linhas de corredor, permeando os bairros, condomínios, shoppings, etc.  Tudo pode conviver com a conservação, e da hora de planejar já passou o tanto que vemos ser degradado, sem que possamos reparar. Portanto eu creio na coletividade, onde cada um, grande ou pequeno, dê sua parcela de compromisso com o verde protegido, e o que é preciso recuperar. Cada rua, cada bairro, distrito, fábrica, condomínio, e o município como um todo deve tornar visíveis ao tato, as áreas verdes, e criar nosso mosaico de corredores de fonte de vida, água, clima, e inúmeras possibilidades de crescer com qualidade.

   Ver as florestas as margens da Lagoa Encantada em chamas é o emblema de uma prática corriqueira de suprimir florestas, e que se transformou em um grande impacto causado por incêndios na primavera desse novembro vermelho, o mais seco de toda a história de Ilhéus.
   



Incêndio na Bacia do Almada são tão graves, quanto os do litoral.

   O sul da Bahia vive seca histórica e uma onda de desmatamento causados pelo fogo. Faltando água em vários municípios, e o fogo queimando a única salvação dessa lavoura. A Área de Proteção Ambiental está em chamas há vários anos, e o problema do abastecimento vem se agravando ano a ano. No ´primeiro documentário que dirigi sobre a APA Lagoa Encantada, em 2002, num parceria com a bióloga Márcia Virginia, guardamos um depoimento extraordinário de Marco Luedy, um militante pela recuperação do rio Almada: "Nós temos dois problemas. O primeiro é de engenharia florestal, reflorestar as nascentes e recompor os nascedouros do rio, manter a água; e um segundo problema que é de engenharia, para armazenar e distribuir essa água. 

   Quem conhece a APA no seu interior sabe, que enquanto queima o litoral para a especulação imobiliária, queimam as florestas e cabrucas no interior para a expansão de pastagens. Se no litoral a fumaça é mais publicitária, certamente, no interior da APA é ainda mais dramática. É a transformação de uma paisagem em curso rápido, e o fim de um grande rio, que adormece sob um modelo falido, e a necessidade de transformação de um povo para melhor administrar seus recursos naturais para que ele possa se recuperar . Cenário crítico e caótico, em que falta água, topos de morro são queimados, uma bacia está crise, e a biodiversidade ameaçada. 

 Nesse momento é preciso reafirmar que impactar com mais desmatamento que anuncia o Porto Sul, requer garantir não apenas o remanescente da Tulha, mas como se comprometeu, criar um grande Parque nas cabeceiras do Almada, e dialogar o fim do avanço do desmatamento, e inicio imediato do reflorestamento do rio Almada.

 As imagens abaixo são de autoria própria e foram realizadas na Bacia do Almada no final do mês de novembro-2015, além de outras fotografias que estão circulando nas redes sociais, retratando o drama de um rio seco e a floresta queimando. 





Almadina 28 de dezembro. Foto: Biólogo Valéio Dias




A Cronologia da Fim de uma Floresta chamada de Rica, ou sua Proteção para o Futuro Próximo:"MP ajuíza ação para frear ocupações irregulares e incêndios na Ponta da Tulha" .

   A notícia vem do Ministério Público do Estado da Bahia, que move ação desde o dia 14 de dezembro, exigindo dos órgãos competentes "frear as ocupações irregulares e incêndios na Ponta da Tulha". Não vai ser fácil mudar, e esse longo processo de ocupação irregular carece de um novo pacto regional, para que o sul da Bahia tenha um plano de ocupação e uso do solo que respeite a Biodiversidade, os Morros, a Cabruca, a Água doce, as Praias, Rios e Manguezais. 

  Estamos vivendo um retrocesso no sul da Bahia, quanto a proteção da Mata Alântica, e é visível que estamos voltando aos índices anteriores à Operação Descobrimento (1998), só que dessa vez, não apenas o uso da madeira está implicado, mas a supressão completa da floresta, uma realidade estampada nas mais de 100.000 hectares da  Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada e do Rio Almada, e que ganha força com a crise econômica.

  Esse é o momento decisivo da história do sul da Bahia, e o cenário que se estamos construindo para o futuro próximo começa a se consolidar. O trem da degradação está frente mostrando sua tendencia, e as soluções à reboque, ainda insuficientes. Agora, já não cabe mais a demagogia, as promessas, nem mesmo o uso das bandeiras sociais para justificar a ilegalidade irracional, que resulta na perda de riachos, biodiversidade, qualidade vida - pública. Não tenhamos dúvida, que podemos mudar essa realidade, e superar falsos conflitos. A palavra de ordem é o planejamento e o diálogo, para que tenhamos a vitória dessa última e decisiva grande batalha da cronologia do fim de uma floresta chamada de rica, ou sua proteção para o futuro próximo. 

Fotografia de 29 de novembro de 2015 - Autor: Paulo Paiva

  Veja abaixo a notícia da assessoria do Ministério Público Estadual:

Uma série de ocupações irregulares em uma área com mais de 29 mil metros quadrados localizada em Ponta da Tulha, no litoral norte do município de Ilhéus, levou o Ministério Público estadual a ajuizar, na última sexta-feira, dia 11, ação civil pública, com pedido de liminar, contra o Estado da Bahia, Município de Ilhéus, Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Inema), contra seis lideranças de movimentos sociais responsáveis pelas ocupações e quaisquer outros invasores.

Segundo os promotores de Justiça Aline Salvador e Yuri Mello, a área, que compreende a poligonal onde deverá ser criado um parque estadual de conservação ambiental, tem sido neste final de ano alvo de “gravíssimos focos de incêndio”, desde que o Estado anunciou a intenção de realizar a reintegração de posse do local. As queimadas foram registradas em relatório produzido pela Operação Bahia Sem Fogo 2015, do Corpo de Bombeiros. A área havia sido desapropriada em 2008, assim mantida até hoje, para a criação de um porto (Terminal de Uso Privativo - TUP), projeto depois transferido para outra área, após o Ibama negar licença para construção do terminal devido à riqueza ambiental de Ponta de Tulha. Aline Salvador e Yuri Mello afirmam também que há informações sobre a iminente construção de mais de 500 barracos na região.

Os promotores apontam uma omissão do Estado, pois desde julho de 2013 há decisão judicial determinando a desocupação e a reintegração de posse da área, e dos órgãos de fiscalização ambiental a nível estadual e federal. Eles destacam que, apesar de “transcorridos dois anos da decisão liminar, o que se nota é que nenhuma medida fática e efetiva foi adotada pelo Estado para a contenção das invasões”. Aline Salvador e Yuri Mello afirmam que as ocupações irregulares configuram crimes ambientais, que violam as Leis da Mata Atlântica (11.428/06) e de Loteamentos (6.766/769). Segundo a promotora, há informações de “vendas indiscriminadas de lotes, construções desordenadas, desmatamentos e contaminação de mananciais”.

Pedidos e recomendações

Os promotores pedem que a Justiça determine, em caráter liminar, que o Estado promova a imediata reintegração da área, com a também imediata destruição dos barracos e casas que se encontrem vazios, providenciando o isolamento da região para evitar novas ocupações irregulares; que o Inema e o Município de Ilhéus façam fiscalizações rotineiras na área e procedam a remoção de cercas e barracos e a busca e apreensão de materiais de construção; que as lideranças dos movimentos e outros invasores desocupem a região e paralisem imediatamente toda e qualquer ação de ocupação ou desmatamento, e, “sobretudo, a colocação de fogo” nos locais compreendidos na poligonal do parque ou em suas adjacências.

Diante das ocupações irregulares e incêndios criminosos, eles também expediram, na semana passada, recomendações aos órgãos de fiscalização ambiental estadual e federal, Inema e Ibama, para que façam o monitoramento e a fiscalização das áreas onde estão os focos de incêndio; e ao Município de Ilhéus, entre outras medidas, para que disponibilize a logística necessária ao trabalho das brigadas de combate a incêndio florestal, e autue e embargue toda e qualquer ocupação em situação irregular. Foi encaminhada ainda à Procuradoria-Geral de Justiça do MP, para que esta envie ao Estado, recomendação à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) para que esta, entre outras medidas, adote todas as providências jurídicas e administrativas necessárias à criação da Unidade de Conservação “Parque Estadual de Ponta da Tulha” e inicie ações de controle de queimadas, prevenção e combate aos incêndios florestais na região da Costa do Cacau, aumentando o número de servidores do órgão ambiental do estado nos municípios onde estão as zonas de risco, sobretudo em Ilhéus.

Fonte: Cecom/MP - Telefones: (71) 3103-0446 / 0449 / 0448 / 0499 / 6502

sábado, dezembro 26, 2015

Temistocles Verçosa, e a saga dos grandes artistas anônimos.

   Eu não tive como amigo, outro artista mais completo que Temistocles Verçosa, ou Temi. Poeta, músico, letrista, pintor, desenhista, escultor e uma personalidade marcante. Eu fico me perguntando qual a missão de um jornalista, e me respondo com frequência, ao menos, deveria ser contar as histórias que testemunhei, e não deveriam se perder. Histórias de artistas como Temi, mais um "homem lenda" que brilhou na saga do anonimato, como talento submerso, ferido da mídia, e teve sua obra despedaçada, sem testemunhas públicas, sem biografia adequada. Isto enlouquece um jornalista interessado em cultura, me sinto obrigado a dizer um mínimo possível sobre eles. Personalidades como Reizinho, o cantor mais popular de Ilhéus, ou meu parceiro musical Fernando Mendonça, também, o grande Annunciação, referência artístico-cultural para a historia da música da Bahia, e do Brasil, todos sem o devido reconhecimento. 

   Nesse momento tento sair desse sufoco, falando de Temistocles.  Conheci Temi em 1985, quando o poeta sofria o drama da sobrevivência no Rio de Janeiro, sem abrir mão de seus ideais de vida. Ele foi artista por inteiro, e fez da vida a própria poesia. Foi um homem de convicções sobre a lealdade e a busca da verdadeira arte, e espiritualidade. Esteve na Bahia no começo da década de 80, onde deixou um rastro, um único registro na história da arte no disco do Rei do Reggae da Bahia, Lazzo Matumbi. 

   Lhe conheci em uma de suas melhores fases, quando produzia as mais belas esculturas, cheias de requintes, detalhes - um estilo clássico. Sua poesia era densa, dolorosa, árida, passional, se contrapondo ao doce, eterno. Seu retrato de homem, o nordestino. Parecia flutuar quando pintava, e tudo o que se propunha a fazer, era com maestria, rigor e um processo muito íntimo de criação. Produtivo, num dia, nascia uma poesia ou uma melodia, noutro, um quadro com quaisquer tinta, ou uma série de esculturas em barro. Depois migrou para arte em pedra, performances públicas, e protestos ecológicos nas praias perto de Vitória, no Espírito Santo. 

Esteve em Ilhéus por dois anos, morando em casa de amigos meus, a Eflorzina Skilians, Florianel Portela e Paulinho Batera, e  chegou a ser ajudado pelo empresário Givaldo da Emapel. Temi, o carioca-capixaba de olhos de azuis profundos partiu em 2005, deixando um rastros de saudades, não apenas para a viúva Maria do socorro, seu filho Ivan e o neto que herdou seus olhos azuis, e que não chegou a conhecer, mas para todos que lhe viram passar. Polêmico e brigão, sozinho e eterno, o homem que odiava a falsidade, e amava a arte foi um homem-artista único. 








segunda-feira, dezembro 21, 2015

O Morro da Pedra de Santa Rita, depois do Incêndio.

Era uma das matas mais íntegras, aquela que veste a Pedra de Santa Rita, a única serra entre o mar e o rio Almada na estrada Ilhéus-Serra Grande. Os que trafegam a estrada curtem sua visualização, como um dos melhores momentos paisagísticos do trajeto para observar um remanescente conservado da Mata Atlântica.

A pequena serra, símbolo de várias lendas, o povo chama de Pedra de Santa Rita. Lá existem duas cavernas, diversas nascentes e um grande poço de água potável. A floresta mostrava integridade, com várias árvores centenárias e o sub-bosque conservado. 

Essa paz acabou de repente com vários focos de incêndios que subiram morro, devastando ao final, 50% das árvores e 70% do sub-bosque da face leste da escarpa, atingindo uma parte da face oeste. O que perdemos não sabemos, á que não deve haver um levantamento florístico detalhado, anterior ao incêndio. Agora vamos acompanhar sua regeneração.

O incêndio só foi contido com a decisão firme do proprietário da fazenda, a atuação do Corpo de Bombeiros e uma legião de voluntários que participaram do combate aos focos, senão teria sido ainda pior. Apesar de contido, os riscos continuam, pois ainda hoje, mais de dez dias depois, os incêndios florestais continuam destruindo a Mata Atlântica da Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada e do Rio Almada.


Fundo do morro,  do lado sul, escarpa e topo totalmente queimados. 

No lado leste do morro, 50% das árvores e 70% do sub-bosque foram queimados.








domingo, dezembro 20, 2015

Invasão e Fogo no “Parque da Tulha”, uma floresta compensatória para o desmatamento do Porto Sul.


Enquanto acordarmos e nos deparamos mais uma vez com o professor Rui Rocha no Bom Dia Brasil da TV Globo, bravo, e esperançosamente, tentando lembrar à opinião pública nacional que tem Mata Atlântica debaixo do projeto do Complexo Porto Sul, outro problema, pepino que não foi bem descascado nas audiências públicas do Complexo porto Sul permanece invisível, apesar de escandaloso, não fosse os blogueiros e outros beija-flores.

As fotos que ilustram essa reportagem foram realizadas hoje. É mais um esforço de reportagem que comemora os sete anos desse seriado alternativo, que fiz para falar de coisas boas que essa terra tem, e que não se encontra em nenhuma outra. Possibilidades maravilhosas. Mas os tempos não são bons, e uma das paisagens mais famosas do litoral brasileiro pelo seu estado de conservação está coberta de fumaça. Há exatos vinte dias, o fogo consome o verde por dez quilômetros da rodovia Ilhéus-Itacaré entre a Vila Juerana, Joia do Atlântico e Ponta da Tulha. É um fogo que bombeiro não apaga, pois revela a estratégia de uma nova onda de ocupação irregular no município de Ilhéus.  

As matas preservadas da Ponta da Tulha ficaram famosas ao terem sido desapropriadas pelo governo federal, em 2009, para a construção do Complexo Porto Sul, gerando protestos dos ambientalistas que repercutiram nacionalmente. Seis anos depois, o projeto mudou a sua localização, reconheceu os valores ecológicos da Tulha, onde passou a planejar a criação de uma Unidade de Conservação, como forma de compensação para o desmatamento que espera conter em seu empreendimento.

No entanto, avesso e contrário à opinião científica, e na contramão do planeta, o impacto para a conservação da água e biodiversidade da Mata Atlântica chegou bem cedo em uma performance social de desempenho inimaginável. Silencioso, rápido, organizado, sem resposta oficial, sem mídia nacional, sem o pronunciamento de nenhum partido político. Uma invasão histórica, a maior desde aquela motivada pelos refugiados da crise do cacau, que foram assentados sob os manguezais, formando os populosos bairros do Nelson Costa e Teotônio Vilela. Nessa nova onda, as motivações são mais sutis, e complexas; envolvem um debate social, a crise do público x privado, e se agrava no oportunismo do contexto político pré-eleitoral.

A lógica aparente é que, se o governo está chamando o capital (grandes empresas, os Chineses, etc) para ocupar a região, e as classes A e B acabam sendo "privilegiadas", isto deu o sinal verde para diversos movimentos, dispersos mais uníssonos, ocuparem as baixadas litorâneas da região norte de Ilhéus, e entorno da Lagoa Encantada. Queimar para ocupar é a resultante de um movimento de invasões que já extrapolam a competência do município, e pode ser decisivo para as eleições, só não sabemos até que eleição. A dimensão política eleitoral de milhares de pessoas envolvidas faz o movimento ter força, e se comportar como um poder público paralelo, prefeitura alternativa que desenha a nova cidade do século XXI, determinando a ocupação e uso do solo para moradores de primeira e segunda moradia e várias faixas de renda (C,D e E). Infelizmente tudo isso, sem planejamento, e mesclado com o fogo que caracteriza terrorismo ambiental. 

Não tomando partido de pobre, ricos ou intermediários, e sabendo que condomínios oficiais também degradam, e que reconhecidamente essa grande invasão se formou e se organizou à partir do Condomínio Joia do Atlântico, claro é que o conjunto desse movimento social ignora o meio ambiente em seu pleito, e sem precauções e afinidade com o resguardo de matas e áreas especiais de conservação, tem tocado fogo nos principais remanescentes, incluindo aqueles indicados pelo próprio governo para ser um parque, o parque da Tulha. Sem regras, um grupo ocupou o parque, serrou madeira e tocaram fogo na mata. De forma completamente irracional, um pequeno grupo, muito pobre, ocupou as margens de um dos pequenos riachos que formam a Barra do Joia do Atlântico, que nasci naquele mesmo local, e banha milhares de turistas com água doce à beira mar.

A presidente Dilma, incerta dos conhecimentos ecológicos, e especificidades locais, calou o IBAMA com um decreto presidencial para a passagem do desmatamento do Porto Sul, como "uma obra de interesse nacional", mas não soube aparar as arestas institucionais da agressão que antecede, e se projeta de forma tão agressiva quanto o desmate oficial do projeto. Não escrevemos para denunciar, nem falar de corrupção e corruptores, mas da riqueza e necessidade de proteção da biodiversidade da Mata atlântica de Ilhéus, e a justiça social pós Era do cacau que esperamos alcançar em uma nova e moderna plataforma de desenvolvimento que olhe para esse futuro. Mas nem eu, nem ninguém imaginou a cidade de Ilhéus se projetando sobre as matas das praias do norte em direção a Lagoa Encantada de forma rápida e desordenada. O que será feito dos programas ambientais do Porto Sul, se as áreas a serem protegidas estão sendo ocupadas? O cumprimento da compensação do Complexo Porto Sul está em cheque. 

Futuro incerto, e uma certeza: Quando se tem o poder público e o povo se juntam contra o meio ambiente, não existe bombeiro que apague as chamas da degradação. Não sou otimista quanto ao futuro da Mata Atlântica nessa região, e as unidades de conservação existentes tendem a se tornarem ilhas verdes. A experiencia me leva a crer que esse movimento social se sobrepujará a realidade ambiental, e que o MP federal ainda vai demorar para cumprir o seu dever, sua obrigação legal e moral de determinar a retirada dos invasores, ao menos do suposto Parque da Tulha, a floresta compensatória do mega-desmatamento do Complexo Porto Sul.

Como na onda de imigrantes da crise do cacau, essa onda de ocupações irregulares extrapola o poder municipal, e deve se decidir na esfera federal, aliado do governo do estado. Eles vão determinar se a invasão vai parar, e quando. Da mesma forma, quando e quem vai parar, limitar, demolir as construções contestadas? Não será uma decisão fácil, mas alguma coisa vai acontecer, não pela floresta, mas pela moralização do próprio Porto Sul. Enquanto isso, enquanto não chove forte, o fogo continua matando animais como as preguiças-de-coleira, matando as fontes de água em tempos de tanta escassez.

Precisamos de reflexão, e essas matérias são insuficientes, parecem um esforço inútil; o fato vira poesia, notícias não causam impacto, e nada muda, nada acontece, e mesmo que se escreva durante sete anos, o erro permanece. Literatura da realidade ambiental, linha do tempo histórica, memorial das imagens que inspiram a reflexão crítica, o questionamento, a participação e a democracia, e acima de tudo, o sonho, o ideal, o melhor cenário, o mais justo; aquele em que a conservação ambiental é bem sucedida. Queria enviar um SOS, tocar a sirene, acordar o povo, e na ordem do dia, chamar minha presidenta para que ela decrete ao sul da Bahia, não apenas o projeto de impacto ambiental, mas com toda urgência, um projeto de conservação das florestas, biodiversidade e mananciais hídricos. 

Vale lembrar que essas matas protegem o principal manancial conservado da região, e é a sua principal fonte de água potável. Também são únicas, biologicamente, representando um mosaico de diversas vegetações, de restinga, matas higrófilas, ombrófilas e de encosta. Nessa floresta, um conjunto de espécies dominantes da paisagem não são tão raras, mas muitas espécies que ocorrem em pequeníssimos trechos, e não são dominantes, só são conhecidas daí. Várias dessas espécies são apontadas pelo Herbário Andre Maurício Vieira de Carvalho (CEPLAC-CEPEC) e Jardim Botânico de Nova York como ameaçadas de extinção em futuro próximo, e isto foi dito há trinta anos. É preciso entender, que realmente, que, às vezes, em um espaço mínimo dessas matas , tem sido descobertas espécies endêmicas e raríssimas, nunca vistas em outro lugar da própria Mata Atlântica. 

Um conjunto de matas, rios e praias conservadas que não se encontra mais em todo o leste oriental do Brasil deveria trazer notícias boas, mas, infelizmente, as notícias ruins também precisam ser mastigadas, ainda que indigestas. Há quase duas décadas o desmatamento dessa região me deu a honra, como chefe do IBAMA de ter um parágrafo no Washington Post. Essa continua sendo a notícia que temos que dar, pois a importância da biodiversidade dessa região, revelada pelo cinquentenário herbário Andre Maurício Vieira de Carvalho, ainda não é conhecida dos ilheenses, nem é valorizada pelo Brasil, mas ela é enaltecida pelos cientistas, habita a história europeia e os jardins botânicos do mundo inteiro.

Essa nossa Ilhéus, a cidade que nasceu como um porto protegido pelas pedras do mar, se transformou diante de um porto em mar aberto, e agora decide seu destino com um terceiro porto para mais uma longa jornada de impactos ambientais. Transformações da paisagem que estão bem documentados por todos. Para fugir de decepções repetidas e depressão, quero transformar Acorda Meu Povo em livro, em um retrato de biblioteca para uma reflexão desses sete anos, em relação ao futuro que sonhamos, e aquele que teremos em duas décadas - 500 anos de Ilhéus.

Enquanto isso, o Rio de Janeiro inaugura o Museu do Futuro, e não faltam bons exemplos de cidades brasileiras com qualidade de vida, conservação e economia criativa em movimento. Aqui, infelizmente, por enquanto, nem com o futuro se pode sonhar em paz, pois o cotidiano é incerto. Portanto, é melhor garantir um retrato do processo, do passado para lembrar, e poder então seguir, sem sofrer tanto com o que poderia ser feito, não se faz, e eu não consigo compreender. Quem pode?



                                 










  





segunda-feira, dezembro 14, 2015

Nuvens trazem esperança contra onda de incêndios em Ilhéus

Nuvens adentram Ilhéus depois de 100 dias.
O Sul da Bahia foi fortemente atingido pelo El Niño (O fenômeno "Menino Jesus"), barrando os ventos úmidos do litoral, e provocando uma estiagem, calor e sensação térmica aterrorizantes. Depois de mais de 100 dias sem chuva, nuvens finalmente conseguem penetrar o Sul da Bahia, mas a chuva ainda é escassa, e a previsão ainda é de continuidade da seca. Assim, o ponto mais úmido do litoral brasileiro vive um clima de Cerrado. Não conhecemos esse clima, pois a característica daqui é um céu com um corredor de nuvens carregadas contracenando com o brilho intenso do sol, e chuva sempre. 

A seca tornou mais fácil a tendencia da população de tocar fogo nos remanescentes de mata atlântica para ocupação imobiliária e ampliação de pastagens. Essa combinação de seca histórica e do terrorismo socioambiental resultou na maior onda de incêndios já vistos na região.  O convite da seca fez parar as águas dos rios Cachoeira, Colonia, Salgado, Almada e Santana, e levou a cidade vizinha de Itabuna a declarar "situação de emergência" por falta de água potável. Estamos perplexos com a insistência do clima atípico, e os incêndios que abrem novas frentes para destruir o que resta da floresta em suplício. 

Uma seca e um fogo que atinge  as árvores, os bichos e o homem. São mais de 100 focos em toda a região, mas uma concentração de focos de incêndio no belo litoral norte de Ilhéus foi o que chamou a atenção da sociedade, autoridades e da imprensa. Trata-se de uma Área de Proteção Ambiental (APA) que vem sendo desfigurada desde a construção da rodovia que liga Ilhéus a Itacaré. Os incêndios, apesar da seca, revelam a decadência do projeto de uma APA. O que vimos nos últimos 15 dias é o fogo devorando raríssimo remanescentes, em alguns casos, as últimas grandes árvores centenárias da região. Focos são anotados no Joia do Atlântico, Juerana, Tijuca, Brejo Grande, Mamoan, Ponta da Tulha, Inema, Tibina, dentre outros locais. Esse fogo é criminoso em sua maior parte, pois, faça chuva ou faça sol, o terreno litorâneo tem sido alvo de um corriqueiro, escandaloso e escancarado processo de queima de mata e ocupação de terrenos, como já denunciados aqui há vários anos.

Mas não é só no litoral que a APA em chamas. A situação é ainda mais grave no interior, nas cabeceiras do Almada, onde o fogo impune sobe as montanhas, sintonizado com a substituição da mata remanescente por pastagens. Nesse cenário na contramão da sede, muitos "beija-flores" participam do combate ao fogo, contra incendiários em grande número. Eles tem o apoio de um estado (poder público) omisso, lento e atrasado em suas políticas mais básicas, como o uso e ocupação do solo em uma área que o próprio governo tem projetos estratégicos "de interesse nacional". Em nome da justiça social, e por receio de enfrentar os privilégios e influência donos de terras, como nos tempos dos coronéis, a degradação ambiental que seca nossas fontes de água, e tira do mapa espécies que só existem nessa floresta é aceita. 

Além da APA, os incêndios florestais também afetam o Banco da Vitória, Rio do Engenho, Serra da Água Vermelha e novas fotos nas redes sociais revelam a cada dia, o tamanho do estrago, cujo impacto pode ser indecifrável em termos biológicos. Um incêndio cheio de culpa, omissão, falta de reflexão de um histórico de causas, nenhuma cartilha de educação ambiental que explique ao povo o que povo as leis ambientais.

Bom lembrar que o proprietário de propriedades privadas são os primeiros responsáveis pelo que acontece em suas áreas, incluindo o fogo. Conscientização é a palavra de ordem, senão o retorno das chuvas apagará os rastros da reflexão, e perder a exposição desse momento crítico para resolver as casualidades crônicas que culminam esse cenário. Esse momento é de rever nossos hábitos, senão vamos perder nossas matas, cacau, rios e nascentes. Queimando aos pouquinhos, hoje temos uma APA em plena descaracterização de suas extraordinárias virtudes aclamadas desde o descobrimento do Brasil.   

Pastos secos, cor marrom, tudo seco.
O poder público não consegue agir, e a relação entre politica social e degradação ambiental se tornam antagônicas, um erro. Isto consolida a degradação, e as ocupações irregulares, e mantem o sul da Bahia no topo da lista do desmatamento, ainda que tanto se use a imagem de paraíso ecológico ou "as florestas do cacau". 

Pois é desejando chuva, e diante de tanta tristeza, que os ilheenses se alegraram ao verem as primeiras nuvens conseguirem adentrar o continente na tarde de ontem. Dependemos de muita chuva para todo ser vivo, e para a produção de cacau, mas eu espero que o poder o público não faça dessa tragédia anunciada, mais um roteiro de relatórios, processos, conversa fiada, falsas dúvidas e mentiras bem contadas, que substituem a resolução definitiva do problema. É uma questão de honra, que o governo do estado zele seus compromissos com a APA,  visto que o governo prometeu compensar o mega impacto da construção de uma pretensa ferrovia e porto nessa área, a compensar os danos com a ampliação das áreas protegidas e de programas de conservação. É loucura aceitar essa inversão de valores e compromissos.

O governo que se omite, não organiza o seu espaço, e as pessoas não são avisadas do que deve ser protegido, perpetuado como bem comum - publico. Essa é uma crise que expõe a nossa pobreza, não apenas econômica, mas, sobretudo, cultural. É dessa forma que municípios como Ilhéus ajudam a derrubar o Brasil. Isso mesmo! Colocado atrás do IDH Venezuela no ranking da qualidade de vida, país que vive gravíssima crise econômica, o novo IDH divulgado ontem, também leva em consideração o estado de conservação e o cuidado com as reservas naturais. Vivemos em plena ignorância quanto a conservação ambiental nessa região, e o poder público estimula a sociedade ao erro, ao não deixar claro, quais são as regras de uso e ocupação do solo; e ao negligenciar a educação ambiental. No final temos uma realidade cruel, sabida dos botânicos do mundo inteiro, que indicam que espécies raras e endêmicas dessa região estão sendo extintas.

OBS: Dia seguinte a essa reportagem, finalmente choveu em Ilhéus, e aumentou um pouco a nebulosidade, diminuindo a temperatura em 1,5 a 2 graus celsos. Apesar disso, a seca e os incêndios continuam.

Também foi iniciado um serviço de nucleação pela empresa Modclima para fazer chover, e o trabalho começou pelas fontes de captação de água do município de Itabuna no rio Almada, distrito de Castelo Novo, e segue por trinta dias em nascentes e fazendas de cacau (Fonte: Blog Agravo). O serviço é bancado pela prefeitura e cacauicultores. Não seguiu, esse serviço, como previsto. 

O governo federal, apesar do apelo do governo municipal de Itabuna não se apresentou como deveria nessa crise ecológica e socioambiental. É grande o sofrimento do povo itabunense e real a possibilidade de faltar água em toda a região, além dos prejuízos com a lavoura.


Primeiras nuvens adentram Ilhéus. Foto no Banco da Vitória.
No céu azul por mais de 100 dias , as nuvens são poucas .
Rio Cachoeira, símbolo  maior do IDH da pobreza no sul da Bahia.
Cachoeira: O rio que a pecuária secou.
                       


quinta-feira, dezembro 10, 2015

O Apocalipse da Estrada Ecológica




Os gaviões Carcará estão de prontidão todo o tempo, aproveitando a refeição de pequenos repteis e mamíferos. Já se vão cento e vinte dias de clima e céu de Cerrado no Sul da Bahia, uma terra das chuvas e da umidade. O céu está azul e as florestas da Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada e do Rio Almada (APA) são vitimadas pelo maior incêndio florestal da história recente de Ilhéus.

Hoje, dia 10.12.2015 eu fiz mais um registro do crítico incêndio que já atinge mata alta litorânea da APA há 10 dias. este é um resultado de um processo de omissão, e de recusa de um sonho meu, e de muitos. A rodovia entre Ilhéus e Itacaré foi projetada em meio à floresta para ser uma estrada ecológica, passando por dois parques e duas áreas de proteção ambiental, mas o projeto inaugurado em 1998 não foi assimilado no trecho ilheense.

Desde sua fundação em 1998, assistimos o descumprimento das leis ambientais, e municipais pelos condomínios e proprietários de terra que passaram a transformar a paisagem, sem nenhum critério ou lógica à vista. Mas foi o próprio governo que acabou motivando uma grande invasão na APA que deveria ser protegida, ao anunciar um grande polo de desenvolvimento industrial dentro dela. O resultado é surpreendente, e veio com um mega invasão à ferro e fogo, cujo refém absoluto é o meio ambiente, o bem público e a qualidade de vida de todos.

Dessa forma vejo fracassando o sonho, e um retrato diferente do imaginado vai se formando na paisagem da estrada ecológica.  Essa famosa estrada, cuja relação com a preservação se espalhou pelos quatro cantos do mundo, e atraiu para o sul da Bahia, novos atores, diversificação econômica e os investimentos mais significativos depois da crise de cacau. Infelizmente  ela está mudando seu rumo, e o que se vê é um campo de concentração da degradação ambiental. O apocalipse chegou na estrada ecológica! Quanta ingratidão, e quanta contradição se esconde por trás dessa fumaça.