segunda-feira, outubro 27, 2008

Pesca de Calão

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A pesca de Calão é das atividades mais tradicionais de Ilhéus, e assegura uma grande rede de tradições culturais dos grupos sociais mais pobres. Sabemos que a exclusão histórica que a sociedade de classe e a ordem econômica dominante impuseram a grande parte da população encontrou na pesca artesanal em rios, lagoas e manguezais, um elo de preservação cultural e união solidária passado de geração em geração.

O Brasil tem 9.198 km de litoral e a pesca artesanal de canoas, cerco, calão e mariscagem cumprem uma importante função contra a exclusão econômica e social. No sul da Bahia e em Ilhéus, onde grande parte da população sofre com a ausência de condições adequadas de sobrevivência não é diferente. É do mar e dos recursos naturais da plataforma costeira que centenas de famílias buscam sustentação e complementação alimentar.
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A pesca de calão é tradicional em Ilhéus, e se mantém hoje, especialmente na praia do Malhado, em função dos Manguezais da enseada do Rio Almada. Como já falamos na reportagem Pesca Artesanal em Ilhéus, esta modalidade de pesca vive na informalidade, e sem reconhecimento formal. Os pescadores se valem dos códigos pesqueiros nacionais, segundo os quais as águas territoriais brasileiras são propriedade comum de livre acesso.

Mas deixando de lado os importantes aspectos da conservação e manejo do estoque pesqueiro, já que, segundo o Greenpeace, 80% das espécies marinhas estão em extinção; e ainda a afirmação da IUCN, que as populações pobres do Terceiro Mundo não são consideradas capazes de manter o luxo da conservação dos recursos, queremos centrar este artigo no grande exemplo de união e solidariedade e união que eles nos ensinam.

A pesca de calão, um tipo de rede de cerco de águas rasas operado por oito pescadores em canoas de 6 a 10 metros, é o foco histórico da economia rural marítima na Bahia. A renda gerada por esta pesca filtra-se através dos circuitos da vizinhança. Uma rede de calão de 200 a 300 metros de comprimento normalmente representa o investimento de todas as economias de um mestre. Poucas redes são compradas novas e são freqüentemente herdadas em vários estágios de uso, necessitando de concertos contínuos. Possuir tal rede é a mais alta aspiração de um pescador e demonstra a marca de um status social elevado.

Quando os canoeiros vão jogar a rede, geralmente muito cedo, às 5 ou 6 horas da manhã, dezenas de pessoas, entre homens, mulheres e crianças, que já não moram mais nos lotes urbanos das praias, descem os morros do Alto do Amparo, Alto do Coqueiro, dentre outros, e vão para a praia à espera do milagre da solidariedade. Os negócios são feitos ali mesmo, uma parte é tirada e outra dada a comunidade, a esperança vence o cansaço e uma única rede, pode levar peixe a mais de 300 pessoas.

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Este artigo utilizou elementos da excelente pesquisa Marginalidade Social e Apropriação Territorial Marítima na Bahia”, realizada por John Cordell.

______________ Alguns trechos de sua pesquisa:

Na vizinhança das comunidades de pescadores as pessoas se esforçam para se dissociar do estigma da exclusão social. No Brasil, ser visto como “marginal” não significa somente ser pobre e sujo, mas também ignorante, sofrer de ausência de caráter e, possivelmente, criminoso. (cf.Pearlman, 1973) A maioria dos pescadores recusa esse estereótipo. Eles conseguem transformar essas limitações sócio-econômicas em formas compensatórias de liberdade de conduta e expressão.

Isso não significa que os pescadores escapem totalmente do processo de marginalização. As famílias de tempos em tempos passam fome ou ficam adoentadas. Uma psicologia de oportunismo caótico perpassa algumas favelas, onde para se conseguir alguma coisa outros devem arcar com os custos.
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Muitas adaptações positivas se desenvolveram nas comunidades de pescadores que, ao menos, parcialmente compensam as pressões da escassez e da exclusão social. Através de cadeias de relacionamentos pessoais e de parentesco, os pescadores apoiam-se mutuamente. Cooperação e reciprocidade combatem a escassez de alimentos, ajudam a construir as habitações, o provimento de remédios e de roupa, e facilitam a necessidade constante de reparo nas embarcações.
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Assim como a marginalidade tem o potencial de criar caos econômico, espalhar sofrimento e rupturas na comunidade, pode também incentivar ações coletivas inovadoras e adaptativas.(Lobo, 1982; Lomnitz, 1977; Pearlman, 1973).

3 comentários:

Anônimo disse...

Boa tarde, Paulo!
Estou apreciando muito as matérias de seu blog.
Interessantíssimo!

Um abraço.

Anônimo disse...

Paulo, li e gostei muito do texto sobre calões. Mandei para muitas pessoas. O seu blog está cada vez melhor.

Abs,

Rui

erika disse...

olá paulo

estou precisando do contato de john cordell.
estou finalizando mestrado aqui na bahia e preciso ter o contato com cordell para fazer parte da minha banca (urgente!)
se vc tiver acesso, por favor me envie alguma resposta
erikauefs@gmail.com
abraço

e parabéns pelo blog

erika mineiro