Diálogos da Sustentabilidade (8): A Costa do Cacau em busca de um destino

A Costa do Cacau em busca de um destinopor Antônio Martins, do Outras Palavras
I.

Selva, Oceano, Cultura e História parecem ter se encontrado para tramar, no sul da Bahia, uma celebração dionisíaca de fertilidade e saberes. Aqui está situada a Costa do Cacau. Abre-se a 450 quilômetros de Salvador (pela BR-101), em Itacaré, onde deságua o Rio de Contas e o viajante encontra, além das praias ornadas por coqueiros, falésias que permitem à floresta um raro contato com o mar. Estende-se, sempre rumo ao sul e rente ao litoral, por 200 quilômetros. As praias são cortadas por montanhas, rios e cachoeiras. Mar adentro, fervilha a maior área de recifes coralinos de todo o Atlântico Sul. Oferece abrigo e alimento a uma rica fauna marinha, que inclui cerca de vinte espécies de peixes endêmicas (só existentes na região) e ocupa mais de 7 mil pescadores artesanais. Este cenário de espetáculos fecha-se em Canavieiras, de casario colorido, ilhas, manguezais, caranguejos e pesca oceânica de fama mundial.

Mas embrenha-se também para o interior, menos turístico e talvez ainda mais rico. Concentram-se no sul da Bahia 80% do pouco que foi preservado da Floresta Atlântica, no Nordeste. Localizam-se na Costa do Cacau, entre outros tesouros, o trecho final do legendário rio Jequitinhonha; o Ecoparque do Una, um dos santuários do mico-leão de cabeça dourada e abrigo de outras espécies ameaçadas, como o macaco-prego-de-peito-amarelo e a preguiça-de-coleira; a Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa Encantada, com suas ilhas flutuantes, lendas e cascatas; o Parque Estadual da Serra do Conduru, apontado em estudo de 2004 como a área de maior biodiversidade vegetal por hectare do país.

Ao centro da Costa, está uma de suas “capitais”, Ilhéus, de 220 mil habitantes (a outra é Itabuna, mais ao interior, com população equivalente). Introduzida na literatura pelos romances de Jorge Amado, conserva ainda o Bar Vesúvio, o cabaré Bataclan, o porto que fez a riqueza da região. Mas sua história vem de muito antes dos tempos do cacau, dos coronéis, de Gabriela e Nassib. Fundada em 1534, a vila protagonizou os principais ciclos econômicos que marcaram a Colônia. Ao pau-brasil, extraído do litoral baiano, somou-se, já no século XVI, a cana-de-açúcar (o Engenho de Santana, criado por Mem de Sá, data de 1573). A fruta que produz o chocolate, e terminou dando nome à região, foi introduzida no país em 1746. Uma pequena roça surgiria na histórica Canavieiras, seis anos depois — e os cultivos comerciais, nos anos 1890, quando chegaram os imigrantes alemães.

Originário da Amazônia, o cacaueiro encontrou na região um clima propício e, em especial, uma forma de cultivo inovadora: a “cabruca”. Caprichosa, a planta — uma árvore que atinge, no máximo, 6 metros — necessita de sombra, para se desenvolver. Em outras regiões, o sombreamento é fornecido por um segundo cultivo, de espécie mais alta. No sul da Bahia, não. Os cacaueiros são plantados, há mais de dois séculos, em meio à Mata Atlântica. Esta técnica permitiu que se preservassem, além dos trechos onde a floresta permanece intocada, extensas áreas de semipreservação. Conservam parte importante da flora e fauna originais. São sinais precursores de uma possível agricultura não-devastadora, numa época em que o ser humano busca novas formas de relação com a natureza.

A Costa do Cacau abriga, ainda, os remanescentes de uma das principais nações indígenas existentes no Brasil em 1500: os tupinambás. Conhecidos pela resistência que impuseram ao ocupante europeu e pela prática da antropofagia, espalhados por diversos pontos do litoral, desapareceram quase por completo — em parte, devido à própria bravura. Porém, permanecem entre Canavieiras e Ilhéus. Reúnem-se em doze comunidades. São predominantes na vila de Olivença, distrito 15 quilômetros ao sul de Ilhéus. São parte do renascimento e revalorização das culturas indígenas, tendência marcante no país na década atual. Reivindicam, desde 2003, a demarcação de um território de 47 mil hectares. Têm, desde 2009, apoio da Funai.

II.

Como em tantas regiões do Brasil, este cenário de riquezas naturais e humanas é contrafeito, em parte, pelo latifúndio e monocultura. Os ciclos econômicos sucederam-se, mas a estrutura social permaneceu intacta por quatro séculos. A descoberta do valor do cacau provocou, entre as décadas de 1890 e 1930, uma onda de concentração de terras (muitas vezes violenta), polarização social, reprodução das relações Casa Grande & Senzala. Os fazendeiros do início do século passado construíram um porto próprio e julgaram-se integrados à Europa. No cais em que embarcavam, sem beneficiamento, os fardos com o fruto dourado, eram recebidos os artistas, as dançarinas, os aventureiros, os pianos-de-cauda, as louças e cristais. A cidade teve teatro, hotéis e armazéns de luxo, cassinos e cabarés. O cardápio dos banquetes chegou a ser impresso em francês. Mas a fruição era para muito poucos. Não se tratava de construir um país, e sim de explorar um recurso. Por isso, à exceção da reduzida elite, a sociedade eram braços: para plantar e colher o cacau; para carregar e descarregar os navios; para levar os pianos, mobílias e baixelas aos casarões ou às fazendas.

Commodities como o cacau eram porém, no cenário econômico do século passado, abundantes e, como tendência, baratas. Quando as cotações de um produto qualquer viviam uma alta momentânea, a indústria de transformação — à época, pólo principal da acumulação capitalista — estimulava, naturalmente, a emergência de outras regiões produtoras. Em seu esplendor, o sul baiano, sozinho, fez do Brasil o segundo maior produtor mundial de cacau. Esta posição declinou constantemente nas décadas seguintes, diante da concorrência de produtores africanos e centro-americanos. A multiplicação das fontes de abastecimento derrubou os preços e encerrou o fausto.

O drama transformou-se em tragédia no final dos anos 1980. O cacau sul-americano foi atingido por uma praga devastadora. Um fungo (M.Perniciosa) provoca a ramificação irregular da árvore (em forma de “vassouras-de-bruxa”, nome popular da doença) e inibe o nascimento de frutos. Sem que haja, ainda, forma de combatê-la adequadamente (cientistas brasileiros buscam o sequenciamento genético do M.Perniciosa), a vassoura-de-bruxa devastou os cacauais do sul da Bahia. A produção nacional despencou — em alguns anos, para 40% da registrada em 1989. O país oscila entre o quinto e o sétimo posto, no ranking da produção mundial, respondendo por apenas 4% do total colhido. Em alguns períodos, a produção sequer é suficiente para atender à indústria nacional, exigindo importações.

O peso da crise recaiu principalmente sobre os braços humanos da lavoura. O cacau, que exige mão-de-obra intensiva, dispensou metade dos 400 mil trabalhadores ocupados em seu cultivo. Expulsos das plantações, migraram em massa para cidades com infra-estrutura já insuficiente. A pressão sobre a natureza foi inevitável. Hoje, 72% da população de Ilhéus (ou 160 mil pessoas) é obrigada a viver em áreas irregulares — morros, mangues ou beiras de rio. Surgiram e se espalharam, pelas cidades da região, bairros novos e assustadores como o Teotônio Vilela, com 40 mil habitantes e sem infra-estrutura alguma. Milhares de pessoas sem ocupação regular são pressionadas a sobreviver do que podem — e uma das alternativas mais fáceis é o extrativismo predatório, em áreas da Mata Atlântica e da própria APA da Lagoa Encantada.

Os números escancaram a pobreza. Em 2007, 47% dos moradores de Ilhéus viviam graças ao Bolsa-família. Em toda a região da Costa do Cacau, atividade econômica e arrecadação de impostos declinaram tanto que 86% da receita dos municípios são provenientes de transferências dos governos federal e baiano. Este empobrecimento continuado abriria caminho, no início do século 21, para uma busca de alternativas econômicas — quaisquer que fossem elas.

III.

Cerca de 500 quilômetros a oeste de Ilhéus, na transição entre o cerrado e a catinga e pouco ao norte da divisa com Minas Gerais, está a hoje pacata Caetité, de 48 mil habitantes. Teve um passado glorioso. Participou ativamente da luta pela independência da Bahia (conquistada em guerra contra os portugueses). Foi a primeira cidade do interior do Estado a estabelecer rede de energia elétrica e Escola Normal. Elegeu o primeiro governador baiano (em 1894). É terra natal de Anísio Teixeira, o grande educador brasileiro da primeira metade do século 20 (lá também nasceu o cantor Waldick Soriano…).

Mas estagnou nos últimos cem anos, como a maior parte do sertão. A economia baseia-se na pecuária extensiva, em algumas tecelagens e cerâmicas. Embora muito rico, o subsolo rendeu pouco à cidade, até hoje. A mineração de urânio, manejada pelas Indústras Nucleares do Brasil (INB), emprega pouco mais de cem pessoas, e já provocou desalojamentos e contaminações. Depósitos de manganês e ametista, também presentes, têm pouco valor comercial. Mas desde 2005, a descoberta de um aventureiro alvoroça a cidade, e mobiliza energias do governo da Bahia.

Nesse ano, o geólogo e engenheiro de minas João Cavalcanti anunciou ter localizado, em Caetité, o que pode ser a terceira maior jazida de ferro do Brasil — segundo maior produtor mundial do minério. Milionário e bon-vivant, com pretensões na política (no início do ano postulou ser indicado vice-governador da Bahia, na chapa de Geddel Vieira Lima-PMDB; atualmente, apoia a reeleição de Jacques Wagner-PT), Cavalcanti nasceu pobre em Caculé, vizinha a Caetité. Enriqueceu ao longo de uma sucessão de descobertas e negócios ligados à mineração (isso ocorre nos ultimos cinco anos, especialmente após a criação e venda da BAMIN). É sócio de Daniel Dantas (em projetos de mineração no Piauí – em todo o Brasil, através da GME 4). Conta que se impressionou pela riqueza mineral do sertão sul baiano no final dos anos 1950, quando obsevava, ainda menino, o burburinho em torno das minas de manganês e urânio, “visitadas por geólogos alemães, espanhóis e de outros países”: “Eu observava aqueles caras no bar, de martelo na cintura e o jipão sem capota parado, o mulherio em cima, cerveja sobre a mesa e dizia: ‘isso que é vida’.”

O imaginativo João Cavalcanti parece ter descoberto riqueza sólida no sertão. As jazidas seriam suficiente para extrair 32 milhões de toneladas por ano, durante cerca de duas décadas. É mais de 10% do total extraído pela Vale, a maior produtora e exportadora mundial do minério. Volume suficiente, segundo estudos da Fundação Vanzolini, para uma receita de 7,5 bilhões de dólares ao ano — superior ao PIB do Haiti ou da Nicarágua.

O calibre dos investimentos necessários para viabilizar a operação é superior à bala que Cavalcanti tem na agulha. Já no final de 2005, ele vendeu 70% da BML, empresa que constitiui inicialmente, para a Zamin Ferrous, do investidor indiano Pramod Agarwal. Em 2007, desfez-se do restante da empresa. Em 2008, a Zamin repassou 50% da companhia — já então denominada Bahia Mineração, ou Bamin, para a Eurasian Natural Resource Corporation (ENRC), que tem sede no Casaquistão, é a quinta maior mineradora da Ásia e sexta maior exportadora de ferro do mundo. A atual Bamin, portanto, é um investimento indiano-casaque. Sua sede, contudo, está em Salvador. Seus escritórios, em Ilhéus, Caetité e Belo Horizonte, além da capital baiana. Seu staff é constituído de executivos e geólogos brasileiros, encarregados de viabilizar tecnicamente a extração do minério, garantir o licenciamento ambiental e — aspecto fundamental — batalhar junto ao Estado as condições de infraestrutura e logística indispensáveis para viabilizar o empreendimento. Aqui, volta à cena a Costa do Cacau.

IV.

Para materializar-se, a fulgurante riqueza que a Bamin possui em Caetité precisa deixar o sertão baiano. Lá, as montanhas de ferro são apenas parte da paisagem. É nas rotas do comércio internacional que se transformam em dinheiro. A necessidade de infra-estrutura obriga a empresa a entender-se com o Estado. Logo depois de adquirirem a Bamin, os controladores da Zamin Ferrous iniciaram contatos com o governo da Bahia. Seu plano inicial era abrir um mineroduto até o litoral. Em Caetité, a 860 metros de altitude, o ferro será britado da rocha, moído, separado de impurezas e transformado em pellets pelotas-pó de 0,15 milímetros de diâmetro. Por meio de um duto (e impulsionadas por uso intensivo de água), estas atravessariam sertão e serra do Mar, até encontrar o litoral, onde seria construído um porto de exportação. Por estar praticamente na mesma latitude e ser um centro urbano consolidado, Ilhéus era a escolha mais favorável à empresa.

Em março de 2007, o indiano Pramod Agarwal veio ao Brasil e apresentou seus projetos ao governador baiano, Jacques Wagner. Mas, informadas sobre a riqueza ferrífera de Caetité, as autoridades vislumbraram algo maior. Ilhéus merecia mais que um porto novo e a boca de um minerioduto. Seria o ponto de chegada de uma das obras viárias mais importantes do PAC: a Ferrovia de integração Oeste-Leste. Na lógica do governo, é a forma de resgatar a cidade esplendorosa dos anos 1930, livrando-a da estagnação e empobrecimento atuais.

Ainda pouco conhecida fora das regiões em que será construída, a Oeste-Leste é um projeto ambicioso. Nasce em Figueirópolis, interior de Tocantins. Entregue à estatal ferroviária Valec, pretende ligar a nova fronteira agrícola do país ao mar, sem repetir os vícios do transporte rodoviário. Entronca-se, ainda em Tocantins, com a ferrovia Norte-Sul, que, retomada em 2007, deverá unir Belém (PA) ao Oeste de São Paulo, em 2012. Juntas, ambas podem ser o embrião de uma nova malha ferroviária no Brasil.

As ideias do governo Wagner para Ilhéus estão em franca expansão — a ponto de terem desencadeado, na cidade, mais um episódio de algo que se incorporou ao cenário político do país: a polêmica entre a esquerda desenvolvimentista e a ambientalista. Em abril de 2008, um decreto destinou, ao complexo de exportação de minérios privado, a ser construído pela Bamin, uma área de 1.770 hectares. Está situada vinte quilômetros a Norte do núcleo urbano de Ilhéus: na chamada Ponta da Tulha, junto à foz do rio Almada. No interior da Reserva de Biosfera da Mata Atlântica e em plena Área de Preservação Ambiental (APA) da Lagoa Encantada. Deverá abrigar, segundo os planos oficiais, o chamado “retroporto”: um vasto pátio para descarregamento e empilhamento de minério de ferro da empresa, instalações industriais e de logística. O abastecimento dos navios será feito em mar aberto. Por isso partirá do retroporto, oceano adentro, uma ponte de 2,5 quilômetros, suficientemente larga para comportar a esteira de minérios e o tráfego de caminhões.

Os planos vão além, embora ainda imprecisos. Fala-se em erguer, ao lado do porto privado da Bamin, um terminal estatal – dois piers de atracação para comércio de grãos (as imensas safras do Centro-Oeste?) e até contêineres. Especula-se sobre uma siderúrgica, em área adjacente; em junho, a Sulamericana de Metais, um consórcio entre a Votorantim e as chinesas Honbridge Holdings e Xin Wen Mining Group anunciou investimentos de 2 bilhões de reais no local. Haveria, ainda, um aeroporto internacional, obra que exige área muito superior à prevista no decreto e vasta estrutura viária. À soma de todas estas instalações, que por enquanto totaliza 2,6 mil hectares, deu-se o nome de Porto Sul.

A polêmica está acesa. Em 25 de abril de 2010, um conjunto de organizações da sociedade civil promoveu o “abraço da Lagoa Encantada” e lançou um manifesto em que pede o não-licenciamento, pelo Ibama, do Porto Sul e do traçado atualmente previsto para a Ferrovia Oeste-Leste — além de reivindicar que tais obras sejam excluídas do PAC e não recebam recursos do BNDES. O Procurador da República em Ilhéus, Eduardo El Hage, protocolou ação civil pública contra o projeto âncora do complexo, o terminal privativo da Bamin). Em Brasília, a Câmara dos Deputados realizou, em 17 de junho, uma primeira audiência pública sobre o tema — tendo sido criticadas as ausências da Bamin e do governo baiano. Na luta para frear as obras, há inclusive setores empresariais — em especial, a Associação de Turismo de Ilhéus, cujo presidente, Luigi Massa, afirma: “O simples anúncio da construção de porto de minério suspendeu empreendimentos importantes”.

Em compensação, há, em Ilhéus, partidários do complexo exportador entre a sociedade civil. Parte dos militantes locais de partidos como o PT, PCdoB e PSB apoia as obras. Segundo eles, a luta contra a Bamin é elitista e hipócrita. Impedir a construção do porto, siderúrgica e aeroporto atenderia apenas ao capricho dos mais ricos e do que restou da oligarquia do cacau. O dano causado pelas obras seria minimizado pelo emprego de tecnologia avançada, em sua construção. Muito mais devastador, para a natureza (além de socialmente ultrajante) seria manter boa parte da população em estado o empobrecimento – e empurrá-la para a ocupação de áreas de proteção ambiental.

Até o início do segundo semestre, a disputa pelo futuro da Costa do Cacau parecia seguir enredo semelhante ao que vem se repetindo no Brasil, desde que o governo Lula encerrou duas décadas de depressão dos investimentos públicos e iniciou uma série de grandes projetos de infra-estrutura. O Estado propõe obra que tem repercussão social vasta e gera empregos — mas reproduz um padrão de “desenvolvimento”, associado a desigualdade, consumismo e agressões à natureza. Amplos setores da sociedade civil apontam os riscos ambientais e frisam os benefícios ao grande capital. Mas falta o passo seguinte: a alternativa. Por isso a obra é, ao final, tocada: ser excluido do modelo atual é ainda pior do que viver sob sua lógica. Ampliam-se os desencontros e desconfianças entre a esquerda desenvolvimentista e a ambientalista. Sobra a impressão amarga de que o Brasil ainda é pobre e desigual demais para ousar projetos mais refinados de desenvolvimento.

V

A partir de setembro, começou a despontar, na Costa do Cacau, uma esperança de superar este padrão. Depois de terem lançado, meses antes, um manifesto contra o complexo minero-exportador, cerca de cem movimentos e organizações sociais e ONGs apoiaram a produção de um vasto estudo sobre o futuro da região. Intitula-se “Ecodesenvolvimento e visão de futuro: o sul da Bahia muito além do Porto Sul”.

Ao longo de quase cinquenta páginas, redigidas com elegância e complementadas por imagens, gráficos e tabelas, a sociedade civil da Costa do Cacau apresenta um projeto alternativo para a região. Inspirado no conceito de sócioecodesenvolvimento, proposto pelo economista Ignacy Sachs, o documento fundamenta-se, do ponto de vista teórico, nas mudanças no paradigma de “progresso”, ocorridas nas últimas décadas. Argumenta que a produção de riquezas, antes fortemente ancorada na indústria, tornou-se muito mais complexa. A mecanização e informatização liberaram braços e interesses para outros setores. Uma nova economia baseia-se em produtos e serviços ligados aos saberes, cultura, comunicação, afetos e território. Valoriza atividades “marcadas por criatividade, descentralidade, horizontalidade, diversidade, qualidade dos produtos e da relação com a natureza”, frisa o estudo-manifesto (estudo).

Se tal constatação é válida em toda a parte, prossegue o texto, em poucos pontos do Brasil ela é tão potente quanto na Costa do Cacau. Por seu ambiente natural e história, a região está vocacionada para turismo qualificado; manufatura e agricultura associadas à cultura local; ciência, educação e informática. Transpor para lá a lógica da industrialização pesada e dos grandes projetos de logística seria, nos séculos passados, uma violência trivial. Fazer o mesmo em 2010 equivaleria a um anacronismo estulto.

O mais interessante vem a seguir. O documento é um sinal de nova cultura política. Revela a que ponto as comunidades podem levar o planejamento de seu futuro coletivo, e assumir papéis que antes eram considerados exclusivos do Estado. Ainda que estruturantes, as considerações teóricas são apenas a introdução ao texto. As organizações que o assinam não querem manter a Costa do Cacau no estado de letargia atual — nem limitar-se ao discurso ideológico de outra produção possível. Buscam o prazer de construí-la. Por isso, avançam, no corpo do estudo-manifesto, para um exame concreto e muito pragmático sobre como desenvolver, em sua região, uma economia de novo tipo. O trabalho identifica com clareza setores que poderiam puxar a conversão. São cinco: Cacau e Chocolate; Turismo ambiental e histórico; Educação, Ciência e Conhecimento; Pesca; Informática.

Em cada uma das atividades, busca-se o detalhe. Que falta para realizar o potencial da região? Quantas pessoas podem ser ocupadas? Que novidades tecnológicas é possível incorporar? Como estabelecer sinergias entre os setores? A abordagem nunca é tecnocrática. O objetivo é mobilizar a sociedade, não aliená-la.

O capítulo dedicado ao Cacau e Chocolate, por exemplo, analisa as mudanças na estrutura fundiária da região. O tempo dos coronéis, descrito por Jorge Amado, ficou para trás. Com o fim da riqueza fácil, eles moveram seu capital para outros negócios. Prevalecem agora a pequena e micro-propriedade. Há, inclusive, cerca de cem assentamentos de sem-terra.

É um cenário inteiramente adequado aos modelos contemporâneos de produção e comércio de cacau. Graças a uma nova consciência ambiental, já não é preciso oferecer o fruto a preços aviltados. Despontam, em todo o mundo, consumidores dispostos a pagar um pouco mais pelo chocolate que incorpore, em sua cadeia produtiva, valores intangíveis, como o respeitos direitos sociais e a proteção da natureza — além da qualidade, é claro. Ali mesmo, em Itacaré, um agricultor, Diego Badaró, obtém, por tonelada embarcada, valores três a quatro vezes superiores aos pagos no mercado do cacau ordinário. Seu segredo: ao cultivar em condições 100% orgânicas, e com impacto mínimo sobre a floresta, teve acesso direto a chocolatiers da Europa e Estados Unidos que visam um público mais consciente.

Com acesso a crédito, sementes e formação, milhares de agricultores poderiam buscar qualificação semelhante. O apoio público necessário é incomparavelmente menor que o requerido para financiar (olá, BNDES…) o porto e a siderúrgica. E a atividade, observa o estudo-manifesto, pode gerar dezenas de milhares de ocupações dignas. A agricultura do cacau é, por natureza, intensiva em mão-de-obra: requer, em média, um trabalhador a cada cinco hectares plantados.

Alternativamente, é possível, ao invés de exportar, promover o surgimento de uma agroindústria qualificada na própria região. Nos últimos 30 anos, houve notável miniatuarização das máquinas usadas para produção de chocolates. É possível produzi-lo, com qualidade, em empreendimentos pequenos ou artesanais: mini-indústrias ou mesmo sítios equipados. Esta opção suscitaria o florescimento de uma rede de pequenas empresas, talvez na forma de cooperativas.

Este formato, aliás, estabeleceria intensa sinergia com o Turismo Ambiental e Histórico, outra das grandes vocações identificadas para a Costa do Cacau pelo documento da sociedade civil. Neste caso, o desafio é ampliar e requalificar uma atividade já em andamento. Famosa por seus duzentos quilômetros e praia, a região atrai, a cada ano, entre 300 e 500 mil turistas — 80% dos quais interessados em conhecer de perto e fruir sua natureza (50%) ou história (30%). Estão previstos, até 2010, investimentos suplementares de 1,25 bilhão de dólares, iniciativa do setor privado, público e agências internacionais. Só na Praia do Norte, em Ilhéus, sete hotéis estão projetados, podendo gerar 2 mil postos de trabalho na obra e 2,9 mil permanentes, para acolher os visitantes (a construção foi suspensa pelo anúncio do possível porto). Só aqui, será possível gerar seis vezes as 450 ocupações com que acena o terminal privado da Bamin.

O estudo-manifesto quer mais. Avalia que o número de turistas pode ser multiplicado até por dez, se houver mais investimentos em hotéis, infra-estrutura, capacitação e planejamento. Sugere explorar, como destino, também a Serra do Conduru, coberta pela Mata Atlântica. Aponta como exemplo a localidade de Serra Grande, onde surgiu uma ecovila promissora, a partir do envolvimento da população em programas de cuidado com o ambiente. Mas vislumbra, acima de tudo, a integração do turismo à rede de agroindústrias alternativas que pode surgir em torno do cacau e chocolate.

Resgata, como exemplo, a serra gaúcha ou a região de Mendoza, na Argentina. Nos dois casos, os viajantes são incentivados a conhecer, além das belezas naturais, centros de produção que se destacam pela originalidade do cultivo (a vinha ou o cacau), possibilidade de degustar variedades do produto (vinho ou chocolate), riqueza e preservação do ambiente (a Costa do Cacau tem a vantagem da floresta) e integração social (possível nas pequenas propriedades e cooperativas). Agroindústria e turismo passam a apoiar-se mutuamente. O visitante opta pela região também para conhecer as lavouras de cacau; ou experimenta e passa a difundir os chocolates, depois de deleitar-se nas praias e matas.

A sinergia será ainda mais potente se incluir um polo de Educação, Ciência e Conhecimento voltado, também, para a investigação sobre a região, seus desafios e soluções. Também aqui, o estudo-manifesto, procura partir de uma base já existente. Na rodovia Ilhéus-Itabuna, localiza-se o campus da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Criada em 1991, tornou-se a segunda principal instituição universitária do Estado, logo após a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Reúne 15 mil estudantes, 27 cursos de graduação e quatro de pós (inclusive Cultura e Turismo e Genética da Mata Atlântica). Recebe professores qualificados de diversas regiões do país, que procuram a Costa do Cacau (ao invés de permanecerem num “grande centro” tradicional) porque prezam, acima da remuneração monetária, a qualidade de vida. O dinamismo da UESC contribuiu para atrair, mais recentemente, quatro instituições privadas e a pioneira Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), mantida pelo Intituto Ipê, uma OnG ambientalista.

O interesse das universidades por outras lógicas de produção e desenvolvimento já é real. Poderá converter-se num envolvimento ativo nas atividades de pesquisa, planejamento, ensino, formação e apoio à gestão, caso floresça, na Costa do Cacau, uma nova economia.

O documento chama atenção para a possibilidade de dinamizar, sempre por meio de práticas social e ambientalmente sustentáveis, a Pesca, que assume na região características muito peculiares. É rica, graças ao abrigo e alimento proporcionados, às espécies marinhas, pelos recifes coralinos. Ocupa diretamente cerca de 7 mil pessoas, articuladas em associações de pescadores. Mas é, também, artesanal e sustentável — por isso, mantém-se há séculos. Baseia-se numa dinâmica de rodízio pesqueiro, em sintonia com os corais. No inverno, são procuradas as espécies territoriais (como badejos e vermelhos), que habitam os recifes e suas proximidades. No verão, pescam-se as de mar aberto (dourados, atuns, cavalas, entre outras).

Durante todo o ano, o litoral oferece também caranguejos, mariscos e camarões. Mas uma experiência anterior mostrou que tal qualidade de pesca pode ser seriamente atingida por grandes intervenções de infra-estrutura. Em 1971, a construção de um porto adicional em Ilhéus — o do Malhado, para escoamento do cacau — provocou o surgimento de bancos de areia, desabilitou as praias da zona urbana (até então, atraentes e frequentadas) e afastou os cardumes. Ironicamente, o assoreamento acabou afetando a própriria obra, que hoje recebe apenas navios de até dez metros de calado.

A proposta da sociedade civil não menospreza a indústria. Com incentivos estaduais, a região formou em Ilhéus, a partir de 1995, um Pólo de Informática, que chegou a faturar R$ 2 bilhões (em 2007), reunindo 52 empresas, oferecendo centenas de ocupações qualificadas e produzindo 15% dos computadores vendidos no país. É, frisa o documento, um tipo de atividade industrial em perfeita harmonia com um novo projeto para a Costa do Cacau. Ao contrário da siderúrgica prevista pela Vale e suas parceiras chinesas, não provoca impactos no ambiente; viabiliza a existência de pequenas e médias empresas dedicadas a nichos específicos da produção; estabelece sinergia com as universidades.

O Pólo de Informática de Ilhéus, contudo, entrou em crise desde 2008. Seu faturamento e arrecadação caem desde então, apesar do enorme aumento no consumo de computadores, no país. Perderam-se — para Manaus ou a Santa Rita do Sapucaí-MG — 24 empresas. As causas do declínio são falta de créditos (principalmente para capital de giro de empresas pequenaas e médias), de incentivos fiscais (disponíveis no Amazonas e em Minas Gerais) e de infra-estrutura urbana (faltam galpões e vias adequados na área do Pólo). Podem ser perfeitamente sanadas com ações do Estado. Os recursos para tanto são reduzidos, se comparados às grandes obras portuárias e industriais que se quer construir. Mas para agir a tempo, o poder público precisa decidir: que tipo de padrão industrial representa o futuro, e está em sintonia com as características naturais e históricas da Costa do Cacau?

VI.

Num aspecto, as organizações da sociedade civil que assinam o estudo-manifesto são especialmente enfáticas. Elas não vêem possibilidade de conciliar o projeto alternativo que construíram para a Costa do Cacau com os planos do complexo siderúrgico-portuário do Porto Sul. Ambos são incompatíveis entre si.

Do ponto de vista ambiental, uma série de atividades previstas no terminal exportador ameaça e afugenta iniciativas ligadas a uma economia do território e do conhecimento. Há riscos específicos e agudos: a destruição de diversos trechos da mata, no centro de uma Reserva da Biosfera e em plena Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada. A desorganização provocada, por uma ponte de 2,5 km, nos ecossistemas que gravitam em torno dos recifes coralinos são os principais.

Os riscos difusos, e ainda mais graves, porque abrangentes. Nos portos, há despejo de resíduos originários da limpeza dos tanques dos navios, esgotos, resíduos líquidos. O terminal privado da Bamin receberá, sozinho, cerca de 300 embarcações por ano e o número poderá se multiplicar, com a eventual construção do terminal estatal de graneleiros e contêineres. Os depósitos de minério, na área do retroporto, serão varridos pelo vento, com o pó se espalhando pela floresta e pelo mar. Nos portos de Tubarão-ES (que recebe o ferro de Minas Gerais) e Itaqui-MA (destino do minério de Carajás), esta ação provocou o surgimento das chamadas “marés vermelhas”, carregadas de minério.

A desmobilização de investimentos turísticos (já relatada pelo presidente da associação hoteleira), logo após o anúncio da construção do porto, sinaliza os prejuízos que poderão ocorrer quando operar. A situação é mais grave porque será atingida a rede de hospedagem mais vasta, equipada e articulada de toda a região: a de Ilhéus. Embora menos expressivos, do ponto de vista financeiro, os prejuízos para a pesca são comparáveis, do ponto de vista social. Ameaçarão 7 mil ocupações. São trabalhadores que terão dificuldades para se adaptar a outras profissões. Vivem em comunidades estratégicas para manutenção de equilíbrio entre o ser humano e a natureza. Sua desestruturação poderia ser trágicas.

De todos os possíveis impactos provocados pelo anúncio do complexo minero-siderúrgico, o mais delicado é o humano. Em sua base, estão expectativas fantasiosas sobre o número de empregos gerados pelas obras — alimentadas por declarações pelo menos imprudentes de autoridades.

Talvez com intuito de reduzir as resistências contra a plataforma de exportação primária, Integrantes do governo baiano e da Bamin têm alardeado, em visitas à Costa do Cacau, a criação de 30 mil postos de trabalho. Mas as afirmações são sempre genéricas. Jamais especificaram em que unidades de produção, localidades ou circunstâncias tais vagas poderão ser encontradas. Estarão incluídos os empregos na mina de Caetité? Na ferrovia? Nas obras idealizadas mas sequer transformadas em projetos, como o aeroporto e o terminal portuário estatal? Incluirão cálculos hipotéticos (e frequentemente superestimados) sobre “empregos indiretos”.

A conta segura que é possível fazer até o momento aponta um número de ocupações muitas vezes inferior ao propagado. A construção do porto, diz a Bamin, ocupará 2 mil operários — reduzidos a meros 160, quando as obras terminarem. A Votorantim e suas parceiras chinesas falam em 460 postos de trabalho na siderúrgica — e em 4,2 mil empregos indiretos. Das duas, uma. Ou o cáculo de 30 mil é uma superestimação marqueteira, ou se pretende construir, na Costa do Cacau, um complexo industrial em dimensões de uma Cubatão baiana — o que destroçaria o ambiente, frustrando por completo as possibilidades de uma nova lógica produtiva.

Seja como for, as declarações produzem efeitos irreversíveis. Alguns cálculos estimam que Ilhéus receberá 150 mil pessoas (65% da população atual) nos próximos anos, atraídas pela propaganda de tantas vagas. Que farão, ao verem-se frustradas? Parece certo que, rejeitados nas áreas restritas aos ricos, engrossarão o contingente dos que são forçados a pressionar morros, mangues e florestas, em busca de espaço vital.

* * *

Embora identifique, em sua própria região, outras vocações, o estudo-manifesto da sociedade civil de Ilhéus não condena a indústria pesada. A atividade humana precisa, cada vez mais, do minério de ferro. Embora seu uso possa ser sensivelmente reduzido, com novos padrões de consumo, seria irrealista e hipócrita condenar a mineração e as siderúrgicas — e continuar servindo-se de geladeiras, automóveis, aeroportos.

Aqui abre-se mais um aspecto profundamente inovador do trabalho da Costa do Cacau. Seus proponentes não estão interessados nem em invabilizar a grande descoberta mineral de Caetité, nem, muito menos, em se opor à Ferrovia de Integração Oeste-Leste. Eles buscam caminhos para viabilizar os dois projetos. A lógica é a da diversidade. Uma nova sociedade pós-industrial não precisa negar a indústria: mas, sim, adequá-la a condições sustentáveis.

O documento de Ilhéus defende explicitamente, “a constituição, no Sul da Bahia, de dois polos geradores de riquezas: o minerossiderúrgico [no interior, em Caetité] e o da indústria de cacau e chocolate, associada ao turismo ambiental”. Para alcançar tal feito, basta uma decisão política. É preciso explorar a enorme jazida de ferro do sertão baiano — tomando, contudo, o cuidado de escoar sua produção por meio de outro porto.

Não se trata de solução quimérica. O estudo-manifesto desce aos detalhes e aponta: em Brumado, ainda no sertão baiano e a cerca de cem quilômetros de Caetité, passa um dos ramais da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) (http://www.transportes.gov.br/bit/ferro/fca/mapa_zoom2.jpg). Pertencente à União, e operado por concessão pela Vale, ele liga Belo Horizonte e o interior de Minas Gerais ao Recôncavo Baiano. Implantado décadas atrás, requer modernização — em todo caso, muito mais barata que construir, do zero, 520 quilômetros de ferrovias. Para que sirva ao ferro de Caetité, basta construir um ramal, ligando esta cidade a Brumado.

A opção pela FCA tem uma vantagem adicional — e decisiva. A ferrovia conecta-se, em seu ponto de chegada no Recôncavo Baiano, com o Porto de Aratu. Lá, não há santuários ambientais por perto. As instalações estão consolidadas há anos. Prestam-se para manejo de múltiplos tipos de carga. Lá, já mantêm grandes armazéns e terminais gigantes do agronegócio, como a ADM, Bunge, Cargill. Lá, há instalações para embarque e desembarque de petróleo e derivados, produtos químicos, automóveis. Lá, já opera o Terminal de Cotegipe, especializado em trigo e grãos oriundos do cerrado – e perfeitamente capaz de embarcar minérios.

Ao derivar para lá, finalmente, a Ferrovia Oeste-Leste converteria-se de fato uma obra de integração, deixando a condição de mera rota para exportações. Porque do Recôncavo, os trens poderiam voltar ao sertão carregados de fertilizantes, combustíveis, outros bens.

Que sentido haveria, então, em insistir no Porto Sul?

VII.

Um Rubicão foi cruzado na Costa do Cacau.

Nas últimas décadas, a consciência ambiental difundiu-se entre amplos setores da sociedade brasileira, tornando-se marcante especialmente entre os mais jovens. Ela sugere examinar criticamente os efeitos de produtos, serviços e intervenções na natureza. É, neste sentido, uma resistência ao poder alienador do capital – que busca impor o interessa individual, o egoísmo e a busca do lucro como únicas lógicas sociais legítimas. Mas resistir é, por natureza, uma postura defensiva. Se bem-sucedida, ela pode, no máximo, afastar (ou adiar) algo indesejável.

Este limite foi rompido, no estudo-manifesto que propõe outra lógica econômica para a região. Organizações da Costa do Cacau estão reivindicando, para a sociedade, não apenas o poder de evitar o pior. Querem construir conscientemente seu destino, levando em conta valores como inclusão social e uma relação não-predatória com a natureza. Na lógica pós-capitalista das redes, que também contagia rapidamente as sociedades, reivindicações assim são naturais. Assume-se responsabilidades pelo futuro coletivo. Não se espera que ele seja obra de um poder externo.

Por ser profunda, a luta relatada nesta reportagem dispensa radicalidades ocas. Não nega o progresso, a indústria, ou a exploração mineral: busca estabelecer a soberania da sociedade sobre estes. Seu símbolo é, neste instante, a redefinição do traçado de uma ferrovia.

* * *

O atual governo da Bahia surgiu há quatro anos. Entre os anseios sociais que impulsionaram a vitória eleitoral de Jacques Wagner em 2008, figura com destaque o repúdio à ultraconcentração de poderes. A campanha da Costa do Cacau oferece agora, a Wagner e às forças políticas que compõem seu governo, uma oportunidade rara.

Apoiar a luta da sociedade civil seria criar um fato novo de repercussão internacional. No Brasil, significaria facilitar um reencontro histórico entre o desenvolvimentismo e o ambientalismo, gerando, a partir da Bahia, diálogos que serão de enorme importância no cenário complexo que se abrirá após as eleições. E esta retomada estaria em sintonia com a construção de uma nova cultura política – expressa em processos de repercussão planetária, como o Fórum Social Mundial.

Na Bahia e em todo o mundo, a sociedade civil continuará construindo novas relações com o poder. As questões que ainda precisam de resposta são: será possível gerar, no episódio emblemático da Costa do Cacau, um exemplo inédito e de amplíssimo impacto? O governo Jacques Wagner será capaz de incorporar a ousadia típicas dos baianos e engajar-se na proposta?

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