COELBA erra, se corrige e protege matinha centenária.

por Paulo Paiva

Essa reportagem é um pequeno estudo de caso sobre a proteção de uma pequena floresta, seus significados, e a importância do licenciamento ambiental participativo.

A Fazenda Pirataquisse é uma das antigas fazendas de cacau de Ilhéus. A fazenda original está subdividida em várias  propriedades, mas o seu núcleo central ainda é administrado por herdeiros da terceira e quarta geração da família Paiva. A fazenda atravessou os ciclos econômicos regionais e a própria história do cacau, e tem   significado especial para a conservação de nosso patrimônio ecológico e histórico. Assim como as fazendas Almada e Primavera, a fazenda Pirataquisse agrega uma bagagem de estudos sobre a fauna e a flora da Mata Atlântica.
Torre mais alta foi construída por orientação do Instituto de Estudos Sócio-ambientais do Sul da Bahia - IESB,
 salvando uma floresta centenária na Fazenda Pirataquisse.
Eu também sou proprietário de parte da antiga Pirataquisse, e foi motivado pelo ideal da valorização dos bens culturais e ecológicos das fazendas de cacau, quando reuni alguns amigos, em 1998, e estabelecemos uma movimento, a Associação Pró-Vida Silvestre (APVS), uma ONG sem CNPJ que quer ajudar a salvar florestas, animais silvestres, plantar árvores e promover a sinalização ambiental nas fazendas.

Este esforço deriva da crença que só com a adesão dos fazendeiros do cacau poderemos garantir a proteção da biodiversidade nessa região. É o grande desafio dessa região, suportar e superar os golpes do mercado insensível de cacau, e encontrar formar de revalorizar nosso produto e o grande leque de valores ecológicos, históricos e culturais que ele encerra.

Conhecer melhor a vida silvestre em nossa terra (lugar) é uma missão de quem vive aqui. Esse esforço conjunto é para manter viva a história das fazendas de cacau que é a história de nossas vidas, famílias e antepassados.  A Fazenda Pirataquisse é mais um exemplo de entidade cultural que precisa ser resgatada, e interpretada. Ela se enquadra na paisagem ao sul do Parque Municipal da Boa Esperança, já no contexto do Sítio Histórico do Banco da Vitória - Rio do Engenho. 

Com a chegada de grandes obras sem maiores detalhamentos no planejamento, estamos preocupados que essas ações possam enterrar histórias, valores e potencialidades de lugares como Pirataquisse. É uma região onde se quer implantar a região metropolitana Ilhéus-Itabuna e se pretende construir a duplicação da Rodovia BA 415, e a chegada do gasoduto, torres de energia, torres de celulares já anunciam uma nova ordem de impactos, o que torna imprescindível que se pense, antes, um projeto de conservação para essa região.

Não podemos pensar em Região Metropolitana como sinônimo de destruição, e por isso precisamos de um antever um planejamento ambiental, que deverá incluir a criação de unidades de conservação de uso direto e indireto. Com essa finalidade, pé imprescindível para a conservação da cabruca e dos remanescentes florestais da paisagem centenária Ilhéus-Itabuna, ao longo da Rodovia Jorge Amado sejam declaradas como Área de Proteção Ambiental.

Pequena mancha verde na Fazenda Pirataquisse é testemunha da antiga floresta atlântica,
e possui registros de pesquisas científicas desde a década de 40. 
O título dessa reportagem poderia ser "A Invasão das Torres na Mata Atlântica do Sul da Bahia", mas eu quero destacar mesmo, é o trabalho de heróis da natureza, que nesse caso foram os  técnicos do Instituto de Estudos Sócio-ambientais do Sul da Bahia - IESB, que mantiveram pesquisas ecológicas na Fazenda Pirataquisse, monitorando uma população de mico-leões-da-cara-dourada, e através de um parecer técnico para a COELBA, evitou a destruição de uma pequena mancha de mata primária na propriedade ao construir torres mais altas no local.

Esse pequeno e bom exemplo nos diz alguma coisa. Creio que sinaliza, e alimenta um processo de racionalizar a ocupação, e valoriza a conservação no caminho do desenvolvimento.Veja a seguir, algumas reflexões tiradas da passagem das torres de alta tensão nessa área, durante o ano de 2011 - 2012 e 2013.

A reserva foi protegida pelos antigos proprietários para o fornecimento de água.
UM SUSTO, E UMA BOA NOTÍCIA.

Quando eu me dei conta, o motor-serra estava cantando,e já tinha pegado algumas árvores da matinha centenária. Em um primeiro momento, os operários, por um engano na leitura do relatório de campo, começaram a desmatar a área equivocadamente. Pus a mão na cabeça e fui procurar o responsável, e ele relatou o engano, e me afirmou que ali seria construída uma torre mais alta. Também me disse que em todo o trajeto, aquela era o segunda mata que encontrava, e que todo o restante eram cabrucas de cacau. 

Apesar do incidente, fiquei muito feliz com a notícia de que alguém faria alguma coisa por uma pequena floresta de  menos de cinco hectares. Uma coisa muito rara de se observar por aqui, onde muitos costumam dizer que as condicionantes ambientais servem para atrapalhar.

Área de servidão normal chegou a ser iniciada,  penalizando a rara e pequena
 mancha remanescente com o desmatamento. Por sorte, parou a tempo. 
O homem que suspendeu o corte, e salvou a mata centenária.
                                      
                                  Após corte acidental, a área aguardou a construção de uma torre especial
                          mais alta e com servidão menor para a instalação dos fios.

A CONSTRUÇÃO DA TORRE: PROMESSA CUMPRIDA

O empenho do IESB, e o consequente alocação de mais recursos para uma torre mais alta foi uma vitória, não apenas simbólica, mas uma vitória real na proteção da Mata Atlântica do sul da Bahia. Mais que uma floresta habitada pelo mico-leão-da-cara-dourada, essa matinha é uma testemunha, e representa o último remanescente de uma área, cuja fauna e flora vem sendo estudada desde a década de 30. Dados importantes da biologia da conservação podem ser perdidos com a extinção de uma floresta testemunho que já é monitorada há tanto tempo, impedindo que comparações sejam feitas. 
Uma torre mais alta significa mais recursos, e o empenho da empresa em seguir uma orientação
 de uma Organização Ecológica. Parabéns a COELBA.
                             
                                Sede da Fazenda Pirataquisse com a torre ao fundo: Ecologia, história e cultura.

                                      
        Torre pronta com mais altura: Matinha centenária protegida pela sensibilidade humana.

O IMPACTO AMBIENTAL PODE SER MINIMIZADO?

As torres de alta tensão chegam com mais uma área de servidão permanente de 20 metros ao longo de toda a cabruca e remanescentes florestais entre Itabuna e Ilhéus. Elas seguem no entorno do Parque Municipal da Boa Esperança em direção à zona norte do município de Ilhéus. A área é indenizada, e a orientação é que não se plante nada.

Trata-se de uma tecnologia impactante para a pequena Mata Atlântica, e sei que tem gente pensando em alternativas para minimizar essa invasão das torres, dos corredores vazios e topos de morro degradados. Mas enquanto a solução não vem, vamos a história da matinha, compreendendo através desse exemplo que os licenciamentos podem ser melhores, ou melhorados, se a sociedade civil monitora, e os atores sociais participam.

Corredores vazios: Impactos do desenvolvimento.

                                                
Redes de energia e florestas não casam bem, e vivem juntas. 

Paisagens que não estamos acostumados. Imaginem os bichos?

                           Corredores permanentes: Improdutivos sob todos os pontos de vista.

Obras acontecem em um estalar de dedos, a paisagem muda e o impacto fica.


O desenvolvimento acentua a necessidade do planejamento ambiental.

                                       
Árvores da cabruca, laterais às torres minimizam impacto visual.

PROJETOS E PLANEJAMENTO: ESQUECERAM DE ME AVISAR?

O projeto e os marcos referenciais para a expansão da rede de energia já existiam, mas porque os proprietários não foram avisados com antecedência sobre a previsão de sua realização? Eu agora sei, e pude sentir o resultado dessa falta de comunicação: As torres engoliram o meu experimento de silvicultura com nativas, após 12 anos de monitoramento.

                                                                   Tchau meus Vinháticos
T
.
Tchau meu Louros pardos

                                                   Torres: Ficarão aqui para sempre?

 
                                                Marcos são antigos. Se já sabiam da obra,
                                                deveriam avisar os proprietários das terras?

                                    AS PESQUISAS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Quando chegaram na propriedade (depois da sede da Pirataquisse), fiz contato imediato de primeiro grau com os biólogos do monitoramento e resgate da fauna. Queria aproveitar a oportunidade, e conhecer mais "o meu lugar", já que, como diz a lei é de minha responsabilidade zelar. Procurei pela lista de bichos e a empresa informou que não poderia me dar, pelo menos, naquele momento. Só colhi fotos, e algumas informações através de conversas. 

Apesar das pesquisas da fauna terem acontecido, a articulação comunitária e a educação ambiental, como sempre, não foi prevista. Note-se que agora é lei que a Educação Ambiental ocorra em todos esses empreendimentos com licenciamento ambiental. Mas se não tem educação ambiental, somo nós, a comunidade, que vai ter que ir buscar a informação.


Informalmente, em conversas com os biólogos e trabalhadores de campo, pude confirmar a riqueza encontrada nessas terras entre o rio Cachoeira e o rio do Engenho. Estas informações deveriam ser um convite a conservação, e poderiam ajudar não apenas os cientistas, mas principalmente os agricultores, proprietários de terras e comunidade em geral a participar desse processo.
Informação levada embora é planta sem raiz.
REGENERAÇÃO: OPORTUNIDADE DE PESQUISA

Após o corte acidental de uma área o dobro do tamanho que seria necessário para a instalação dos fios, a área iniciou um rápido processo de regeneração florestal. Notei que seria possível aproveitar esse corte acidental para tenta repetir um experimento sobre o processo de regeneração de nossas florestas. Cientistas têm realizado testes similares, abrindo pequenas clareiras na mata virgem em busca de respostas sobre como se comporta os bichos e as plantas no repovoamento de áreas degradadas. 

Seria um excelente momento e oportunidade para coleta de dados. A área de 20 metros desmatada acidentalmente um ano atrás foi deixada para regeneração, e uma pequena faixa de 3 metros foi novamente cortada para a implantação da fiação. Dessa forma, temos duas parcelas expostas a condições ambientais distintas, ambas contíguas com a mancha virgem. Estamos buscando identificar, ao menos, as espécies de plantas e árvores que estão voltando, e possivelmente, possamos interferir em uma faixa com adição de espécies Climax favoráveis à população de mico-leão-da-cara-dourada que aí habita. 

                                        
                                      Parcela cortada acidentalmente reaparece com grande diversidade de espécies.

                                               Após alguns meses de regeneração a área já apresenta uma complexa biodiversidade.
                             

                                         Parcela em regeneração após corte acidental: Rara oportunidade de entender a dinâmica
                                              de restauração florestal em áreas degradadas contínuas com manchas primárias.
                                                 
                                                               Com o apoio de pesquisadores, queremos extrair
                                                                             informações dessa explosão de vida após o corte acidental.

          
                                      Para instalação da fiação, uma pequena faixa de 3 metros de largura foi novamente limpa,
conservando-se o processo de regeneração do resto da área aberta. 
                                              
                                                 A Reserva Centenária Pirataquisse é uma mancha florestal com histórico
                                                   de pesquisas botânicas, e portanto testemunha da antiga floresta atlântica. 
                                     

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