Nuvens trazem esperança contra onda de incêndios em Ilhéus

Nuvens adentram Ilhéus depois de 100 dias.
O Sul da Bahia foi fortemente atingido pelo El Niño (O fenômeno "Menino Jesus"), barrando os ventos úmidos do litoral, e provocando uma estiagem, calor e sensação térmica aterrorizantes. Depois de mais de 100 dias sem chuva, nuvens finalmente conseguem penetrar o Sul da Bahia, mas a chuva ainda é escassa, e a previsão ainda é de continuidade da seca. Assim, o ponto mais úmido do litoral brasileiro vive um clima de Cerrado. Não conhecemos esse clima, pois a característica daqui é um céu com um corredor de nuvens carregadas contracenando com o brilho intenso do sol, e chuva sempre. 

A seca tornou mais fácil a tendencia da população de tocar fogo nos remanescentes de mata atlântica para ocupação imobiliária e ampliação de pastagens. Essa combinação de seca histórica e do terrorismo socioambiental resultou na maior onda de incêndios já vistos na região.  O convite da seca fez parar as águas dos rios Cachoeira, Colonia, Salgado, Almada e Santana, e levou a cidade vizinha de Itabuna a declarar "situação de emergência" por falta de água potável. Estamos perplexos com a insistência do clima atípico, e os incêndios que abrem novas frentes para destruir o que resta da floresta em suplício. 

Uma seca e um fogo que atinge  as árvores, os bichos e o homem. São mais de 100 focos em toda a região, mas uma concentração de focos de incêndio no belo litoral norte de Ilhéus foi o que chamou a atenção da sociedade, autoridades e da imprensa. Trata-se de uma Área de Proteção Ambiental (APA) que vem sendo desfigurada desde a construção da rodovia que liga Ilhéus a Itacaré. Os incêndios, apesar da seca, revelam a decadência do projeto de uma APA. O que vimos nos últimos 15 dias é o fogo devorando raríssimo remanescentes, em alguns casos, as últimas grandes árvores centenárias da região. Focos são anotados no Joia do Atlântico, Juerana, Tijuca, Brejo Grande, Mamoan, Ponta da Tulha, Inema, Tibina, dentre outros locais. Esse fogo é criminoso em sua maior parte, pois, faça chuva ou faça sol, o terreno litorâneo tem sido alvo de um corriqueiro, escandaloso e escancarado processo de queima de mata e ocupação de terrenos, como já denunciados aqui há vários anos.

Mas não é só no litoral que a APA em chamas. A situação é ainda mais grave no interior, nas cabeceiras do Almada, onde o fogo impune sobe as montanhas, sintonizado com a substituição da mata remanescente por pastagens. Nesse cenário na contramão da sede, muitos "beija-flores" participam do combate ao fogo, contra incendiários em grande número. Eles tem o apoio de um estado (poder público) omisso, lento e atrasado em suas políticas mais básicas, como o uso e ocupação do solo em uma área que o próprio governo tem projetos estratégicos "de interesse nacional". Em nome da justiça social, e por receio de enfrentar os privilégios e influência donos de terras, como nos tempos dos coronéis, a degradação ambiental que seca nossas fontes de água, e tira do mapa espécies que só existem nessa floresta é aceita. 

Além da APA, os incêndios florestais também afetam o Banco da Vitória, Rio do Engenho, Serra da Água Vermelha e novas fotos nas redes sociais revelam a cada dia, o tamanho do estrago, cujo impacto pode ser indecifrável em termos biológicos. Um incêndio cheio de culpa, omissão, falta de reflexão de um histórico de causas, nenhuma cartilha de educação ambiental que explique ao povo o que povo as leis ambientais.

Bom lembrar que o proprietário de propriedades privadas são os primeiros responsáveis pelo que acontece em suas áreas, incluindo o fogo. Conscientização é a palavra de ordem, senão o retorno das chuvas apagará os rastros da reflexão, e perder a exposição desse momento crítico para resolver as casualidades crônicas que culminam esse cenário. Esse momento é de rever nossos hábitos, senão vamos perder nossas matas, cacau, rios e nascentes. Queimando aos pouquinhos, hoje temos uma APA em plena descaracterização de suas extraordinárias virtudes aclamadas desde o descobrimento do Brasil.   

Pastos secos, cor marrom, tudo seco.
O poder público não consegue agir, e a relação entre politica social e degradação ambiental se tornam antagônicas, um erro. Isto consolida a degradação, e as ocupações irregulares, e mantem o sul da Bahia no topo da lista do desmatamento, ainda que tanto se use a imagem de paraíso ecológico ou "as florestas do cacau". 

Pois é desejando chuva, e diante de tanta tristeza, que os ilheenses se alegraram ao verem as primeiras nuvens conseguirem adentrar o continente na tarde de ontem. Dependemos de muita chuva para todo ser vivo, e para a produção de cacau, mas eu espero que o poder o público não faça dessa tragédia anunciada, mais um roteiro de relatórios, processos, conversa fiada, falsas dúvidas e mentiras bem contadas, que substituem a resolução definitiva do problema. É uma questão de honra, que o governo do estado zele seus compromissos com a APA,  visto que o governo prometeu compensar o mega impacto da construção de uma pretensa ferrovia e porto nessa área, a compensar os danos com a ampliação das áreas protegidas e de programas de conservação. É loucura aceitar essa inversão de valores e compromissos.

O governo que se omite, não organiza o seu espaço, e as pessoas não são avisadas do que deve ser protegido, perpetuado como bem comum - publico. Essa é uma crise que expõe a nossa pobreza, não apenas econômica, mas, sobretudo, cultural. É dessa forma que municípios como Ilhéus ajudam a derrubar o Brasil. Isso mesmo! Colocado atrás do IDH Venezuela no ranking da qualidade de vida, país que vive gravíssima crise econômica, o novo IDH divulgado ontem, também leva em consideração o estado de conservação e o cuidado com as reservas naturais. Vivemos em plena ignorância quanto a conservação ambiental nessa região, e o poder público estimula a sociedade ao erro, ao não deixar claro, quais são as regras de uso e ocupação do solo; e ao negligenciar a educação ambiental. No final temos uma realidade cruel, sabida dos botânicos do mundo inteiro, que indicam que espécies raras e endêmicas dessa região estão sendo extintas.

OBS: Dia seguinte a essa reportagem, finalmente choveu em Ilhéus, e aumentou um pouco a nebulosidade, diminuindo a temperatura em 1,5 a 2 graus celsos. Apesar disso, a seca e os incêndios continuam.

Também foi iniciado um serviço de nucleação pela empresa Modclima para fazer chover, e o trabalho começou pelas fontes de captação de água do município de Itabuna no rio Almada, distrito de Castelo Novo, e segue por trinta dias em nascentes e fazendas de cacau (Fonte: Blog Agravo). O serviço é bancado pela prefeitura e cacauicultores. Não seguiu, esse serviço, como previsto. 

O governo federal, apesar do apelo do governo municipal de Itabuna não se apresentou como deveria nessa crise ecológica e socioambiental. É grande o sofrimento do povo itabunense e real a possibilidade de faltar água em toda a região, além dos prejuízos com a lavoura.


Primeiras nuvens adentram Ilhéus. Foto no Banco da Vitória.
No céu azul por mais de 100 dias , as nuvens são poucas .
Rio Cachoeira, símbolo  maior do IDH da pobreza no sul da Bahia.
Cachoeira: O rio que a pecuária secou.
                       


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